- És um masoquista - diziam-lhe os amigos.
-Chamem-me nomes! - retorquia o Verde. - Eu é que sei como é que me divirto!
E divertia-se, por debaixo dos ténis dos miúdos, a senti-los driblar, fintar, golear, sei lá que mais? - Aquelas coisas que os pés fazem no futebol...
Quando não eram miúdos, eram os cães. Escavavam o Verde, faziam-lhe cocó ele achava graça.
Um dia, ouviu uns homens que s´estavam a dizer:
- Vamos fazer aqui prédios de vinte andares.
O Verde estremeceu. Queixou-se a um cachorro que o veio visitar.
- Ora! -disse o cachorro. - Prédios é que eles não fazem.
Foi chamar os amigos e veio a canzoada - béu-béu-, dezenas deles, todos a ocupar o Verde. Chegaram os pedreiros e mais o material para fundar alicerces - ão! - ão! -: "Aqui d´El-Rei! Pernas, para que vos quero?!», deitaram a fugir daquele grande exército de cães, dentes arreganhados, baba a escorrer da boca, olhos em sangue, ai, ai, feras autênticas!...
Por três dias seguidos se repetiu a festa. Os cães estavam cansados. E chegou o domingo. Vieram os miúdos. Avistaram os cães e pegaram em pedras. Porquê? Por nada. É que era sempre assim.
- Deixem-se de parvoíces! - exclamaram os cães. - Não temos tempo para brincadeiras.
- O que foi? - perguntaram os miúdos.
Ficaram a saber. Puseram-se de guarda a defender o Verde com os cães.
Mas na segunda-feira tiveram de ir para a escola. Quem apareceu para guardar o Verde foram os pais e os irmãos mais velhos e uns amigos dos pais e dos irmãos mais velhos que o nosse Verde nunca tinha visto.
- Quem são vocês? - resolveu perguntar àquela gente toda.
- Somos os verdes - responderam eles.
- Muito... prazer... - cumprimentou o Verde, todo moído já pelas patas dos cães, as botas dos miúdos e o medo às escavadeiras. - Se também vêm para me defender, podiam pôr-se à volta e não em cima, que me doem as costas, se faziam favor.
E os verdes puseram-se à volta e não em cima. Como eram já um tanto conhecidos, veio a televisão e filmou tudo.
Então o empreiteiro coçou o queixo e disse:
- Se calhar é melhor não fazermos mais ondas. Deixa isto esfriar para ficarmos bem-vistos.
O Verde respirou, aliviado. Os pedreiros foram-se embora com as máquinas. Os verdes foram para casa escrever a história num papel para distribuir. Os miúdos por lá andam a futebolar. Só os cães é que estão desconfiados. Eles, que sabem o que custa conseguir um simples osso para matar a fome, acham muita fartura que o empreiteiro tenha desistido de destruir o Verde assim tão facilmente.
O Verde é que, coitado, não foi feito para guerras. Lá está, refastelado, estendido no seu campo, tomamdo os seus refrescos, tendo os seus futebóis, sempre ligeiramente escavacado, sempre de bom humor...
Que viva o Verde!"
Que viva o Verde!"
A luz de Newton / Hélia Correia. Lisboa: Relógio D´ Água, 2015.
Imagem: Copyright -Andreea Draghicihici
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