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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O Renascimento | VII


Veneza foi uma das cidades onde o Renascimento se desenvolveu de forma importante entre os séculos XV e XVI. Influenciada pela arte de Florença dos Medici, a realizada em Veneza preocupou-se menos com as questões de definição escultórica e procurando incentivar mais os pormenores de luz e cor.

Giovannni Bellini que viveu entre os séculos XIV e XV está entre os que mais importância tiveram na arte do Renascimento no norte de Itália. A sua influência foi muito importante para a definição das características da pintura do chamado Alto Renascimento.

A cor e a luz, assim como a procura pela representação de uma narrativa que se debruça no jogo entre o visível e o invisível tornam-no um pintor muito importante no Renascimento. A procura de um sentido para a vida humana está sempre presente nos seus quadros.

Nossa Senhora do Prado foi pintada entre 1500 e 1505. Se a cor e a luz eram a principal preocupação da pintura de Veneza, com Bellini as formas e o seu detalhe aproximam-se dos valores da arte de Florença. As cores exprimem uma claridade que nos leva para as questões do belo e que são introduzidas não apenas na figura clássica do menino e da mulher, mas é toda a humanidade integrada na natureza que nos interroga. 

O quadro de Bellini expressa um tema que foi muito pintado no Renascimento, mas traz algo de muito especial. Concilia a questão de um valor do cristianismo com aquilo que é a vida dos homens e esse foi um tema que muitas religiões tentaram sempre decifrar. A maternidade e a infância como algo onde se inicia a vida e a tentativa para apresentar o mundo são aspetos que caracterizam a pintura de Bellini.

O quadro pode ser dividido em vários planos, como um corvo, a paisagem veneziana ou a mãe o filho. O que faz da pintura de Bellini algo muito especial é a procura da construção de uma relação entre o visível e o invisível, naquilo que pode ser o sagrado e o que pode ser humano.

Outros pintores marcaram a pintura de Veneza. Por exemplo Antonello de Messina que trouxe a influência da arte flamenga e do uso dos óleos. Francesco del Cossa ou Vittore Carpaccio pertencentes à escola da cidade de Ferrara trouxeram outras ideias para a pintura deste período. Os contrastes cromáticos, com grande detalhe para a luminosidade alcançada no primeiro caso e a representação material da vida de Veneza no século XV tornam-nos importantes criadores na pintura do Renascimento.

 
Imagens:
Giovanni Bellini, Nossa Senhora do Prado, c. 1500-05, Board of Trustees of the National Gallery.
Antonello da Messina, Virgem da Anunciação, c. 465, Galleria Nazionale della Sicilia, Parma / Scala
Vittore Carpaccio, A Visão de Santa Úrsula, 1494, Academia Veneza / Scala

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

O Renascimento | VI


Do primeiro Renascimento, Piero Della Francesca é um dos nomes mais importantes para evocar na pintura do século XV. Não foi um artista muito admirado no seu tempo, pois as naturezas das suas pinturas evocavam uma atmosfera diferente e o seu patrono, apesar de importante no contexto da época não tinha a dimensão dos Médicis.

Piero Della Francesca nasceu numa pequena cidade da Úmbria, no centro da península itálica, foi apoiado por Federigo das Monefeltro, duque de Urbino. Na sua pintura encontramos traços influenciados por Masaccio e Donatello, aos níveis das linhas escultóricas e da claridade da cor, assim como do interesse pela paisagem real, no que foi influenciado por Domenico Veneziano. Nos últimos anos de vida cultivou os estudos sobre a perspetiva e escreveu dois tratados sobre a matemática da arte. 

Das suas diversas obras, O Batismo de Cristo, de 1540 é uma das suas obras mais importantes, onde fez a releitura dos temas clássicos, em relação à figura de Jesus, ao posicionamento dos anjos e a sua relação com a cidade, onde uma luz pura cristalina que se incorpora numa pomba e que introduz um valor simbólico no quadro.

No entanto, aquela que é considerada a sua obra mais importante é A História da Verdadeira Cruz, onde se descreve os diferentes aspetos da lenda, desde o Paraíso até à sua descoberta por Santa Helena, mãe de Constantino. A adoração sobre o menino revela uma paixão silenciosa, no encontro realizado com Salomão. As diferentes figuras femininas revelam o vestuário de um tempo, mas uma única compreende o significado simbólico desse olhar. O silêncio inunda esse espaço de revelação, o que dá uma atmosfera de algo que perdura, que fica imortalizado. 

Ainda de 1450, Piero Della Francesca pintou Ressurreição de Cristo, onde este se afirma como alguém que entra no real do quotidiano, como alguém capaz de o resgatar e dando ao mundo adormecido uma luz de ação para algo mais heroico.

                Piero Della FrancescaA História da Verdadeira Cruz, c. 1452-57, San Francesco, Arezzo /Scala.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O Renascimento | V

 


Florença foi uma cidade essencial no desenvolvimento do Renascimento na pintura, na escultura e na arquitetura. Depois de Masaccio, Sandro Botticelli surge como um dos pontos altos da escola, ou tradição florentina. Com Botticelli algo novo acontece na pintura do Renascimento, como as formas humanas, as suas linhas esguias e ondulantes. Botticelli foi muito influenciado pelo desenho dos irmãos Pollaiuolo que foram os primeiros a desenhar o corpo para o estudar nas suas estruturas.

Com Botticelli a ideia de dissecar o corpo, como o faziam os irmãos Pollaiuolo já não existe do mesmo modo, tendo evoluído para uma ideia mais apurada da perspetiva e da anatomia humana e relaciona-se com o que a corte dos Medici desenvolveram na sua visão do mundo. A ideia de amor no neoplatonismo da Corte dos Medici influenciou a pintura de Botticelli. Os quadros mitológicos de Botticelli são de um lirismo e de uma beleza impressionantes.

A Alegoria da Primavera, ou O Nascimento de Vénus são dois quadros em que os elementos clássicos são reajustados ao espírito da época e dos valores ou símbolos conhecidos no tempo. Em A Alegoria da Primavera, quadro de 1478, o trabalho destinava-se a ser colocado na residência dos Medici. É um dos quadros mais significativos da arte ocidental, onde as figuras se apresentam em tamanho natural, dando uma ideia de grande monumentalidade com a chegada das flores, símbolo da Primavera. O quadro fá-lo usando a mitologia dos valores clássicos.

No quadro as referências ao mundo clássico são muito evidentes, com a introdução de Vénus (divindade associada à Primavera) e dela parece emergir uma credibilização de toda a cena e dos outros elementos. O Cupido aparece sob as árvores apontando uma flecha às Três Graças que representam a beleza, a castidade a sensualidade e onde também surge Zéfiro, o conhecido vento da Primavera. 

No quadro encontramos ainda, em vestes escarlate, Mercúrio - deus mensageiro dos ventos e que na tradição clássica dissipava as nuvens de modo a permitir que os raios solares iluminassem o jardim. Todo o quadro é profundamente gracioso na junção das Três Graças, a deusa Flora e Vénus tornando-o um dos marcos do Renascimento. Os traços de feminilidade, graciosidade e delicadeza fazem dele uma obra maior da pintura europeia e do Renascimento.

Sandro Botticelli, Alegoria da Primavera, c. 1482, Galeria Ufizzi, Florença.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

O Renascimento | IV

 

Nos primórdios do Renascimento Fra Angelico e Fra Filippo Lippi são dois nomes que no século XV marcaram a pintura nesse período histórico e cultural.

Fra Angelico foi um monge dominicano que construiu os seus quadros com uma linguagem austera dos motivos religiosos e em que a luminosidade é particularmente viva. Foi um pintor importante do Renascimento não muito reconhecido porque o seu papel inovador não foi nos temas, mas no modo como os apresentou.

No seu quadro, A Virgem e o Menino no Trono com Anjos e Santos, de 1438-1440 há uma clara recuperação do estilo gótico visível nas linhas graciosas e nas cores fortes. No entanto verificam-se elementos inovadores, como sejam a utilização da perspetiva, da cor e o próprio desenho das figuras no modo como habitam o espaço, que confirmam uma evolução em relação ao gótico. Os elementos naturais em que os anjos são colocados, e o modo como a luz incide iluminado pontos das árvores mostra-nos que Fra Angelico foi um dos pontos de evolução do Renascimento na pintura.

Fra Filippo Lippi foi outro dos nomes que marcou a pintura dos primórdios do Renascimento. Filippo Lippi foi educado pelos monges carmelitas em Florença. Masaccio influenciou muito Filippo Lippi, pois a sua versão da Virgem e o Menino Jesus entre S. Frediano e Santo Agostinho foi apenas apresentada depois dos frescos de Masaccio na Capela Brancacci em Florença. Se Filippo Lippi aprendeu a monumentalidade com Masaccio introduziu-lhe uma imensa graciosidade e delicadeza, como as pintadas por Fra Angelico.

A Anunicação de Filippo Lippi, quadro de 1448-1450 tem uma doçura e uma ternura cativantes, no encontro entre o anjo e a jovem. Terá feito parte de um painel de mobiliário de um quarto de um nobre importante, possivelmente Piero de ´Medici que foi seu patrono. Os anjos em Filippo Lippi têm um ar feliz e de bem-estar. O seu filho, Filippino seria criado por Boticelli e daria a mesma ideia de bem-estar, mas já com contornos do que na vida humana se torna frágil, como se ela fosse um sonho etéreo sobre a realidade, onde os anjos flutuam.

Imagens:
Fra Angelico, A Virgem e o Menino no Trono com Anjos e Santos, c. 1438-140, Convento de São Marcos, Florença.
Fra Fillippo Lippi, Anunciação, c. 1448-1450, National Gallery, Londres.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O Renascimento | III



Do primeiro Renascimento, o que se estabeleceu nas primeiras décadas do século XV, Paolo Uccello é um dos que deve ser destacado. Uccello foi um artista do Renascimento que viveu e desenvolveu a sua atividade em Florença e que se destacou sobretudo pela inovação que trouxe no campo da perspetiva.

Uccello tratou a perspetiva e pensou-a no seu resultado final, como a possibilidade de ordenar o mundo e as suas representações. A perspetiva introduz uma nova leitura na representação, pois ela deixa de ser apenas simbólica ou decorativa e assume uma leitura tridimensional dos objetos. A perspetiva é uma leitura do representado que orienta o nosso olhar, desde os planos mais próximos aos afastados, onde os objetos parecem convergir nos planos mais distantes.

Uccello organizou a perspetiva na convergência de linhas que encontram um ponto único, chamado ponto de fuga. A sua obra mais marcante foi A Caçada na Floresta, datada de 1460. O ponto de fuga do quadro e no qual os planos de organizam é o de um veado distante, quase invisível. Todas as figuras da caçada (caçadores, cavalos, cães) surgem de todos os lados, como a construção poética que se ergue numa paisagem de claro / escuro.

As ideias de Uccello já tinham sido desenvolvidas ao nível da perspetiva por Brunelleschi na cúpula da catedral de Florença. Uccello foi o primeiro a aplicá-la à pintura e influenciou os artistas nos anos seguintes pelas estruturas de perspetiva dos seus desenhos que apresentavam objetos em espaços tridimensionais. O ponto de fuga como aspeto determinante da composição e do olhar do observador marcaram a importância de Uccello na pintura do renascimento.

                     Paolo Uccello, ACaçada na Floresta, Ashmolean Musuem of Art and Archaeology, Oxford, 1460.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

O Renascimento | II


 O Renascimento desenvolveu-se ao longo dos séculos XV e XVI. No entanto, antes do século XV já se encontram características na pintura que se vão identificar com o Renascimento. Em Giotto eles já se enunciavam, mas foi o rigor da representação e um maior realismo, onde a harmonia ganhou formas muito substantivas que figuras como Leonardo Da Vinci, Rafael ou Miguel Ângelo elevaram a arte do Renascimento. O humanismo influenciou profundamente aquele movimento.

O Renascimento na pintura iniciou-se em Itália, a meio do século XIII e alargou-se à Europa.  O momento mais alto do Renascimento surge no final do século XV. Os artistas que deram corpo ao Renascimento procuraram recuperar a tradição da cultura grega e romana. Foi Giotto que iniciou essa recuperação e, embora a sua pintura se enquadre na arte gótica, já é visível nele, o que vai caracterizar o Renascimento. Isto é, a representação de um modo naturalista, em que as figuras de temas bíblicos surgem com uma dimensão real, uma existência marcadamente humana. O realismo da existência humana é uma das marcas do Renascimento.

Foi com o pintor de Florença Masaccio que se inaugura a pintura renascentista e que sofreu influências de Giotto. Na verdade, Masaccio era uma alcunha para o seu nome, Tomasso de Giovanni di Simone Gaudi cuja vida foi muito curta.  A sua pintura é classificada como um pouco desajeitada, mas há nela algo de profundamente humano e onde a dimensão espacial que já se via em Giotto também aparece. 

As figuras de Jesus apresentadas como reais crianças, ou a Virgem com uma imagem de dignidade, onde se apresenta uma representação austera ligando-a à vida comum das pessoas são sinais marcantes de Masaccio e do primeiro Renascimento. Masaccio foi influenciado pela escultura e em particular de Donatello, com a sua representação tridimensional dos espaços e das perspetivas. Nos quadros de Masaccio encontramos as linhas da escultura de Donatello, ao nível da perspetiva ótica, com a representação da luz a incidir nos objetos. 

Em Masaccio já não existe a leveza do gótico, mas o drama humano incorporado nas histórias bíblicas, como em Adão e Eva expulsos do paraíso, obra de 1427, ou a Trindade de 1425. são muito marcantes.

Masaccio, A Virgem e o Menino, Galeria de Uffizi, Florença, c. 1426.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

O Renascimento | I


O Renascimento foi um dos movimentos mais importantes da arte europeia com influências profundas na sociedade entre o fim da Idade Média e o século XVI. É dele que falaremos na publicação semanal durante o primeiro período (como recurso educativo), integrado no Plano nacional das Artes.  A palavra "Renascimento" teve diferentes significados e não existe uma pintura renascentista que possa ser delimitada em características únicas ou definíveis. Ao contrário da arte gótica, expressão de uma sociedade criada pelo mundo feudal e pelas tradição românica e bizantina, o Renascimento é a expressão de uma luz em evolução.

O Renascimento marca o surgimento e desenvolvimento de um mundo novo, o moderno que daria forma a uma nova sociedade. Na arte, o Renascimento incentivou um novo estilo, uma nova forma de observar, onde o realismo e os elementos naturais tinham uma importância muito substantiva. A arte gótica era construída como marca de uma sociedade que propunha influenciar espiritualmente os observadores. No Renascimento, os elementos pintados refletem o mundo do observador e tentam criar uma conversação com o próprio observador. A emoção é agora projetada de um modo diferente. De algum modo, o observador migra para o interior de um quadro do Renascimento.

Na pintura do Renascimento, o ponto de fuga nasce do próprio observador que lê as próprias linhas da perspetiva. A luz integra o quadro renascentista de um modo que o observador as sente de um modo muito mais intenso. A imagem na pintura renascentista é uma construção da visão do observador. Na arte pré-renascentista, ainda se observa que quem contempla revela uma dimensão divina, o que mais tarde será alterado para uma visão humana. Nessa dimensão se construirá a visão do Humanismo e de uma ideia diversa para o Homem no mundo e para a própria religião.

Na Literatura, na Escultura e na Pintura muitos foram os nomes que lhe deram forma. Petrarca simboliza o princípio temporal desse movimento, de uma ideia que tentava conhecer muito sobre diferentes domínios. A restauração da cultura greco-romana, o valor do corpo humano como sinal de juventude e de beleza foi um das chaves do Renascimento e essa ideia que Aristóteles tinha enunciado, o valor e o sinal de ser instruído. Ou seja, a capacidade refletir criticamente, de modo a encontrar o sentido das coisas e as sombras que escondiam essa revelação capaz de compreender o universo e contemplá-lo de um modo integral.

O Festim dos Deuses / Giovanni Bellini, 1514, Galeria Nacional de Arte, Washington DC.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

O século XX | Entre o Expressionismo e a Abstração


A arte do século XX caminhou em muitas áreas para um desligamento dos valores do belo, algo que fazia parte da tradição e da cultura em séculos anteriores. A arte passou a revelar o caos em que o mundo se transformou e a relação emotiva que a a arte permitia, assim como a identificação do mundo como uma casa foi-se perdendo. O Expressionismo e a Abstração criaram algumas das obras do século passado.

O Expressionismo foi dominado por uma abordagem excessiva dos domínios emocionais e psicológicos. As cores muito fortes a dar forma a imagens exageradas nas formas evocava o abismo e os aspetos sombrios da mente humana. Ernst Ludwig Kirchner, Georges Rouault, Emil Nolde ou Max Beckmann foram exemplos dessa expressão artística.

Ao mesmo tempo, na Alemanha a A arquitetura de Bauhaus apresentava um estilo geométrico, feito da economia do traço e de um aspeto mais austero. Na arte Paul Klee, ou Wassily Kandinsky foram alguns dos elementos ligados à escola de Bauhaus.

Wassily Kandinsky ficou ligado a essa ideia da abstração, em que a cor domina a tela e em borrões impercetíveis se definem ideias muitas vezes confusas, onde o movimento e o entusiasmo referem uma ideia abstrata. Mais tarde a sua arte evoluiu para padrões visuais, onde as suas ideias de contemplação ficaram marcadas, como o ponto para compreender essa abstração.

Paul Klee foi outro dos artistas a caminhar para a abstração, embora tenha uma intenção de o conjugar d euma forma mais concreta com o real. Klee foi sobretudo um grande pintor no uso da cor e da linha. Esteve igualmente ligado à escola Bauhaus. 

O Peixe Dourado, de 1925/296 é um dos seus quadros mais interessantes. O peixe que assume formas grandes ilumina e dá significado de mistério ao espaço do oceano. Todos os outros peixes dão significado às suas linhas mágicas e ao mistério do oceano perfumado de um azul cheio de vida. No fundo Paul Klee acreditava que era importante criar mundos alternativos, o que era essencial para quem viveu um período tão difícil, como o da Alemanha na década de trinta do século passado.

O Peixe Dourado / Paul Klee, 1925/1926, Instituto de Arte da Filadélfia, Estados Unidos.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

O século XX | Picasso e o Cubismo

O século XX, os seus acontecimentos e formas marcaram com extrema violência a vida de milhões de pessoas. A História do século XX não pode ser compreendida sem a Arte, e as formas que ela assumiu. O século passado inaugurou de forma massiva a comunicação como meio de exprimir uma ideia. A pintura deixou de depender da noção clássica dos renascentistas da noção de perspetiva, assim como deixou de representar uma figura ou um quadro natural. O quadro tornou-se a própria realidade.  

Neste sentido a arte em geral e a pintura em concreto poderiam dar a conhecer uma ideia de realidade, uma proposta de sociedade, indicando uma visão do mundo. A perspetiva aparecia como um ponto de observação, dando-nos uma ideia, um quadro, uma descrição do real. Ora, a História do Século XX, pelas suas contradições e angústias mereciam que a perspetiva fosse fragmentada, dividida em secções, como a própria realidade.

A arte e a pintura, em particular deveriam mostrar, revelar a natureza humana nos seus aspetos mais visíveis. O feio, a violência, a realidade sofrida por cidadãos em tão variados locais por onde a Guerra fez as suas vítimas. A vida moderna deveria ser expressa na sua angústia, limitações e estado de caos. A este movimento iniciado em 1908 por Georges Braque e Picasso deu-se o nome de Cubismo.

Foi com Picasso que a ideia da fragmentação da imagem foi levada mais longe. O nome de cubismo vem-lhe da utilização de pirâmides, cubos, cones que utilizava na diferente perspetiva dos objetos. A utilização de máscaras africanas e a utilização das suas cores vivas fez dele um artista muito importante na Arte Europeia e Mundial. Não é excessivo dizer que Picasso é um dos marcos da Arte Ocidental.

Picasso foi um dos artistas mais inovadores do nosso tempo.  A arte de Picasso foi alvo de diferentes metamorfoses, pois passou por contínuas e profundas mudanças. Picasso revelou uma capacidade de invenção de grande significado e a História social do século XX não pode ser estudada sem o recurso aos seus quadros. 

Influenciado pelo pós-impressionismo, evoluiria para a corrente dinamizada por Henri Matisse. Defendia o fim da perspetiva e da profundidade do espaço, apoiando-se numa composição dinâmica. A arte com o cubismo deixou-se de interessar por compreender a realidade ou só fazer o seu retrato, mas o quadro e a arte deveria criar a sua realidade. Apresentar o real de diversos ângulos, com cores chocantes, exprimindo o feio e aquilo que era chocante para a vida humana.

 A arte deveria revelar o caos e a desordem. A 1ª Guerra Mundial mostraria de forma dramática os piores receios do Homem. Com Picasso o cubismo alcançaria a sua expressão máxima. A Arte deveria mostrar à Humanidade como a nossa vida, vivida no curto espaço, faz parte de um movimento maior. O cubismo teve essa ousadia, a de criar um movimento artístico essencial para compreendermos o que foi o século XX.

 Com ele o mundo visual é decomposto em elementos, onde se procura encontrar uma nova forma de exprimir a arte. Para Picasso a realidade tinha de ser observada de todos os ângulos em simultâneo e integrá-la no real. A arte não tem uma visão, não tem uma linha de definição de uma verdade a demonstrar, mas tem uma forma particular que emerge de todos os diferentes aspetos vistos em conjunto. A leitura desse conjunto permite compreender e transformar esse real.

O cubismo não tem um estilo, realiza diferentes experiências, construídas a partir da vivência quotidiana.  O cubismo propôs uma revolução visual e ensinou a sociedade a compreender melhor que formas de quotidiano se organizavam no início do século XX.

  Ele não propôs apenas uma forma diferente de ver a pintura, sugeriu uma nova visão da arte.   O quadro não procurava representar algo, não pretendia fazer uma representação de objetos, mas sim criar a própria realidade. O quadro pintado era a própria realidade.

 Num mundo de caos e violência, o plano da  perspetiva tinha de ser fragmentado, buscando a própria fragmentação da realidade. Foram também nas técnicas, que o cubismo inovou como expressão de arte ao integrar a fragmentação da imagem, a inclusão de palavras, a combinação chocante de cores, a expressão do feio, do horror, na apresentação de uma sociedade em convulsão de valores. O cubismo revelou-nos um mundo de fealdade, um mundo em emergência, em rutura com o século anterior. O cubismo representou um corte absoluto com a arte europeia. Talvez não seja exagero defender com alguns autores de Arte que o cubismo foi o movimento artístico mais importante desde o Renascimento.

                              Família de Saltimbancos / Pablo Picasso, 1905, National Gallery of Art, New York
Garota em frente ao espelho / Pablo Picasso, 1932. Museum pf Modern Art, New York 
Retrato de uma mulher com chapéu / Museum Boijmans van Beuningen, Roterdão.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

O século XX | Henri Matisse


Henri Matisse foi um dos nomes mais importantes da arte do século XX. Integrou-se no movimento do Fauvismo, mas ultrapassou-o em muitos dos seus aspetos. Na verdade, a leitura que fizeram da arte deram-nos a possibilidade de compreender o mundo com outros dimensões e ou critérios. Matisse influenciou muitos outros artistas e apoiou a sua criação.

Em Matisse a cor expressa-se de uma forma espantosa. A cor atrai-nos, no modo como foi expressa e ele é claramente um rutura no século XX. Com ele a ideia de belo, de leitura emotiva do mundo está presente, ao contrário de muita da arte desse século. A arte de Matisse pode servir de consolo, de conforto, o que aliás funcionou para ele próprio. a pintura como sublimação de uma inquietação.

Matisse pintou de forma variada e de o impressionismo o influenciou, teve trabalhos que quase tocam a abstração. Assim evoluiu de um período experimental, onde se podem assinalar por exemplo A Conversa, de 1909, no que é a construção de um diálogo e de um silêncio entre duas figuras, ou Odalisca de 1923,  onde celebra algo, a realidade concreta, uma exploração dos sentimentos.

As esculturas de papel são algumas das suas criações que se aproximam da abstração. Les Bêtes de la Mer, de 1950 são já da fase final da sua vida, onde o espaço cromático é invadido de formas geométricas de elementos marinhos. a junção da cor e das formas dá-lhe uma beleza muito especial-

sexta-feira, 29 de abril de 2022

O século XX | O Fauvismo


As obras de Vincent Van Gogh, Paul Gauguin e Paul Cézanne e o seu conhecimento na primeira década do século XX permitiram a um conjunto de artistas ter a possibilidade de experimentar estilos novos na pintura. Esses estilos permitiram criar diferentes movimentos artísticos, tendo sido o Fauvismo o primeiro deles.

Na verdade, foi o aparecimento dos fauves (cores não naturalistas) no Salão de Outono de 1905 em Paris que fez evoluir a arte e criar a chamada primeira vanguarda na arte europeia. Aquilo que se observava não deveria ser exprimido como uma transparência do real, mas a de exprimir o que o artista sentia com aquela observação. O Fauvismo explorou esta ideia até ao limite, exprimindo a cor os sentimentos do artista.

O Fauvismo está ligado a diferentes pintores, mas a sua expressão é maior em figuras como Henri Matisse ou Abdré Derain.  Com estes dois pintores a cor ganha uma expressão muito substantiva associando-se claramente aos sentimentos a exprimir. A cor como força emocional foi um dos pontos chave do Fauvismo. Em alguns deles, como em André Derrain, a cor era o instrumento para criar uma dimensão de luz, apresentando-se como uma nova realidade.

A expressão de sentimentos angustiados sobre a representação de elementos naturais, ou a introdução de máscaras africanas permitiram criar atmosferas diversas do que a geografia do natural expressava. A cor emergia com uma materialidade que reduzia os elementos representados a essa dependência por uma luz que enchia de vigor ou de angústia o que se representava. Existia em muitos dos pintores do Fauvismo uma ideia de rebeldia. Matisse fugiu um pouco a essa categorização e vale a pena destacá-lo, como um dos artistas do século XX.

                  Imagem: Ponte de Charing Cross / André Derain, , 1906, Museu De Orsay, Paris.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

O século XX | visão genérica

 

A sociedade mudou no século XX, como nunca o tinha feito antes. As transformações económicas, sociais e políticas criaram um mundo novo e não foi sempre no melhor dos sentidos. O sentido do belo tinha ajudado muitos artistas em diferentes épocas a criar uma emoção poética capaz de dar sentido à vida e ao mundo como ele era vivido pelas pessoas. O século XX ma pintura e na arquitetura destruíram isso. A arte deveria exprimir o profundo conflito da existência numa sociedade em profunda transformação.

O século XX acumulou um conjunto numeroso de artistas. Três séculos de Renascimento não produziram tantos artistas, como o século XX observaria. E estes artistas tinham visões diversas, não existindo uma corrente dominante. Pode-se dizer que a arte do século XX não se pode definir, pois a mutação do mundo criou as mais diversas perspetivas. A vida em sociedade, a tecnologia, a guerra, a violência, o medo criou uma sociedade multiforme e em muitos aspetos profundamente agressiva. Dos muitos artistas do século XX ficaram alguns que importa destacar.

Nas primeiras décadas do século XX Pablo Picasso, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Henri Matisse, Piet Mondriqan ou Salvador Dali marcam a história da pintura. Na segunda metade do século os nomes que importa destacar escasseiam. Jackson Pollock, Andy Warholl ou Mark Rothko apresentam uma imensa diversidade na pintura. Em alguns deles o utilitarismo e o caos do mundo são o seu reflexo, nesse abandono por um ideal espiritual que a arte tinha observado por tantos séculos.

Wassily Kandinsky, Improviso XXXI, 1913.

quinta-feira, 7 de abril de 2022

A pintura gótica (VIII)

 A pintura gótica evoluiu ao longo dos séculos XIII e XIV, tendo as últimas manifestações chegado ao século XV, onde adquiriu características específicas. Encontram-se nessa última fase os trabalhos vindos do norte da Europa, como os Robert Campin, onde o sagrado desce ao mundo real, e os valores religiosos se misturam num grande realismo com o quotidiano. (Robert Campini, Natividade [c. 1425]; A Virgem eo menino diante de um guarda-fogo [c. 1430] e (Jan Van Eyck , A adoração do Cordeiro [c. 1432] e Anunciação [c. 1434/39] são exemplos desse real que desce à pintura e a individualidade dos elementos retratados. A utilização da luz é um dos elementos desse convite do sagrado ao real do vivido por cada um.

Van der Weyden, Van der Goes são outros dos elementos que pertenceram ao gótico de influência nórdica. O naturalismo das representações, com uma grande expressividade no retrato que dá às figuras um plano de destaque são algumas das usas características. (Rogier van der Weyden, A Anunciação [c. 1435], Retrato de uma senhora [c. 1460] e (Hugo van der Goes, O Tríptico Portinari [c.1476], (Hans Menling, Retrato de um homem com flecha [c.1740/75] e /Dieric Bouts, Retrato de um homem [1762] expressam essa nova forma do gótico que se difundiu a norte da Europa.
A última forma do gótico na pintura trouxe outra evolução que alterou muito as influências do gótico, como era conhecido nos séculos XIII e XIV. Gerard David, Hieronymus Bosch e Matthias Grünewald deram outras formas à pintura gótica.

David Gerard continua a tradição nórdica, mas dá~lhe uma outra forma na pintura. O Repouso na fuga para o Egito (c. 1510) é um desses casos. Hieronymus Bosch Matthias Grünewald trouxeram a representação do sofrimento humano para a pintura gótica. A Tentação de Santo Antão (c. 1505) e a Nave dos Loucos (c. 1490-1500) de Bosch é um dos expoentes da pintura flamenga com imensos símbolos e que reflete algumas das preocupações do seu tempo. 

Em período de revoltas sociais e instabilidade política, com a crise trazida pelo século XIV, Bosch representou figuras imaginárias, como se elas fossem reais, figuras muito estranhas que possuem um realismo semelhante ao das pessoas representadas. Em particular em A Nave dos Loucos, a humanidade é representada como um conjunto bizarro de figuras que viaja no tempo sempre entre a mais comum das atividades e os objetivos mais impossíveis. Neste barco da loucura, as figuras de Bosch são as imagens exteriorizadas do nosso medo coletivo e individual, a fealdade das ações que tantas vezes se cometem.

quinta-feira, 31 de março de 2022

A pintura gótica (VII)

 

A pintura gótica evoluiu ao longo dos séculos XIII e XIV. No fim de trezentos desenvolveu-se um estilo gótico que nasceu das muitas viagens de artistas  entre França, Itália  e muitos locais da Europa. Neste sentido o estilo gótico generalizou-se  a muitos países. Naquilo que foi considerado como um estilo gótico internacional, as iluminuras tiveram um desenvolvimento muito importante.

A iluminura já era uma construção  conhecida de outros séculos. No fim do Império romano do Ocidente, no século V a iluminura existia, mas apenas para representar objetos. A iluminura é um dos elementos mais importantes da Idade Média e deu significado às mensagens de natureza religiosa e que era literalmente a técnica, ou a a arte de alguém que a introduzia em documentos. 

No século XIV a iluminura ganhou formas mais elaboradas. Os irmãos Limbourg são um dos expoentes das iluminuras. A sua obra maior, Les Très Riches Heures  foi uma encomenda do Duque de Berry e pertencia a um livro de orações do século XV. Estes livros chamavam-se Livros de Horas e funcionavam como orações para diferentes espaços do dia. Esses livros de horas eram organizados por meses, o que nos dá o valor técnico da representação do iluminador.

Em cada mês deste Les Très Riches Heures existe uma descrição das atividades a que os homens se dedicavam, o que nos permite compreender, como a sociedade se organizava nas suas funções económicas. Podemos ver as ocupações da nobreza e do povo, o que é mais uma informação sobre as representações sociais da época. Todas as pinturas têm na parte superior um arco em tons de azul.

sexta-feira, 25 de março de 2022

A pintura gótica (VI)

 


A pintura gótica evoluiu ao longo dos séculos XIII e XIV. E das influências da arte bizantina ela criou um registo de características próprias que teve em Ducio e sobretudo em Giotto, marcas dessa evolução e transformação na iconografia medieval. Marcas que Simone Martini ou Ambrogio Lorenzetti fizeram evoluir para outras formas de construir a arte gótica.  

O fim do século XIV marca na pintura gótica um movimento de artistas a que se deu o nome de gótico internacional. A fusão das escolas da arte italiana com a do norte da Europa criou esse estilo. Os artistas realizaram viagens por diferentes países europeus, o que permitiu à difusão de ideias e à sua fundição em obras de autores franceses, italianos, ou ingleses, entre outros.

Nesta difusão, a influência de Simone Martini  foi muito importante. O seu trabalho foi realizado em "Itália" em "França" e esteve muito ligado a uma construção do poder aristocrático que as cortes europeias procuram atingir. O naturalismo assumiu uma importância significativa e as ideias originais, diversas da rate gótica do século XIII foram colocadas de lado. Uma das influências de Simone Martini em Inglaterra é o Díptico de Wilton e que é uma obra do final do século XIV e está relacionada com a figura de Ricardo II.

o Díptico de Wilton é uma obra sem autor, não se sabendo a sua autoria ou nacionalidade. Foi realizado em 1395 e representa Ricardo II de Inglaterra ajoelhado perante Nossa senhora e o Menino. A representação é acompanhada de duas figuras da história eclesiástica inglesa. Todos os anjos se fazem acompanhar de uma joia que tem a forma de um veado branco, que era um dos símbolos do próprio rei. Conhecendo-se a história de Ricardo II, o quadro poderia ter funcionado como uma legitimação da monarquia e do seu direito divino. A presença dos três reis magos confirma-se essa ligação do cristianismo à legitimação da monarquia inglesa.

Imagem: O Díptico de Wilton / Anónimo, National Gallery, Londres, c. 1395

sexta-feira, 18 de março de 2022

A pintura gótica (V)

 


Na pintura gótica que se realizou na primeira metade do século XIV, a influência de Giotto persiste, como algo essencial. Os irmãos Lorenzetti, Pietro e Ambrogio darão à escola de Siena alguns quadros que reforçam a sua importância dentro da arte gótica.  Os dois pintaram grandes espaços, mas não abdicando de uma representação sensível e de uma manifesta graciosidade. Apesar da proximidade geográfica entre Simone Martin ie os irmãos Lorenzetti, é a influência de Giotto que marca a sua obra.  Vemos na sua obra uma identificação com  abordagem psicológica das figuras representadas em Giotto e não a figuração mais estilizada de Simone Martini.

Ambrogio Lorenzetti inaugura na arte gótica a representação das primeiras paisagens, Alegoria do bom governo: efeitos do bom governo na cidade e no campo, quadro de 1338-39. O quadro foi uma encomenda do Palácio Público de Siena, o que foi uma novidade, mo sentido de um Estado encomendar uma representação naturalista sobre um ideal de perfeição - um bom governo.  O quadro é de uma grande importância no contexto da arte gótica e da pintura europeia, pois é a primeira tentativa de representar um cenário real, com pessoas reais.  O quadro representa o espaço de Siena, a partir de diferentes pontos, existindo escalas diversas em relação a pessoas e edifícios. A prosperidade comercial e o desenvolvimento económico traduz uma satisfação dos grupos humanos.

Siena era uma república muito próspera, uma das mais desenvolvidas das cidades de Itália que não eram pontificais. Em Siena já no século XIII a representação dos comerciantes nos órgãos da cidade tinham dado uma outra dimensão á vida cívica. A perda de poder de grandes famílias nobre, a presença de um grupo muito importante de banqueiros e mercadores e a fundação de instituições mercantis deram a Siena uma prosperidade que a fazia rivalizar com Florença.

O governo dos mercadores estabeleceu um grande desenvolvimento económico e um programa de urbanismo que o quadro de Ambrogio Lorenzetti dá conta. Os cidadãos ganharam pelo desenvolvimento das instituições um orgulho que os fez alimentar um conjunto de obras de natureza monumental, em particular palácios municipais. A ideia de que o bom governo generalizava boas consequências para a cidade e para o campo é uma das referências do pensamento medieval. A ideia de naturalidade da sociedade humana construída sobre as diferentes pessoas ou grupos sociais que assim colaboram é algo inspirado num dos autores medievais mais importantes, São Tomás de Aquino. a complementaridade da cidade e do campo está presente neste quadro percursor de Lorenzetti.

Alegoria do bom governo: efeitos do bom governo na cidade e no campo / Ambrogio Lorenzetti. Siena, 1338-39.

sexta-feira, 11 de março de 2022

A pintura gótica (IV)


A pintura gótica evoluiu ao longo dos séculos XIII e XIV. E das influências da arte bizantina ela criou um registo de características próprias que teve em Ducio e sobretudo em Giotto, marcas dessa evolução e transformação na iconografia medieval. Se Giotto deu uma nova forma de perspetiva à pintura gótica e a levou para a construção de formas que exaltavam a dimensão humana das suas representações, Simone Martini fez a combinação dos elementos góticos, elevando esta arte a um patamar ainda mais elevado.

Simone Martini viveu entre os últimos anos do século XIII e a primeira metade do século XIV. Pertenceu à escola de Siena e a sua pintura foi muito influenciada por Ducio e assim pela ideia da tradição da arte bizantina e de uma espiritualidade que se representa mais distante. Foi influenciado por Giotto e por alguns artistas do norte da Europa e que eram conhecidos em França, nomeadamente na corte de Roberto de Anjou (século XIII).  A elegância da corte desse rei e o requinte da vida palaciana influenciaram muito a pintura de Simone Martini.

A pintura de Simone Martini tem alguns dos traços que estiveram presentes no gótico do Norte da Europa, ou seja linhas fluidas, com formas graciosas e um apuro muito significativo em todos os detalhes representados.  as figuras não são estáticas e a sua fluidez organiza-se no sentido de um movimento, de um encontro, o que destaca a beleza das mesmas. Essa beleza define formas de figuras que se afirmam como do plano do mágico que vivem no espaço do mundo. Estão aqui, mas apontam para uma outra realidade.

A pintura de Simone Martini é um contínuo convite para entrar num mundo próprio em que a imaginação tem um lugar muito especial. Há uma teatralização dos elementos representados, como se afirmassem a sua própria narrativa perante as cenas representadas. É o caso de A Virgem da Anunciação, obra de 1333.

Olhando de perto este quadro podemos ver uma composição de valores espirituais, com uma imensa graciosidade que marca a arte gótica deste período. Maria está vestida de azul, o que a relaciona com um elemento que costuma ser dado ao céu e o anjo é representado em tons dourados. as cores e o encontro assume uma ideia de que o Céu e a Terra se encontram num único plano. Nos quadros de Simone Martini a representação dos trajes e a linguagem corporal dão uma ideia de um conflito e torna-se evidente essa solidão da escolha individual, na singularidade de cada pessoa.  Ideia muito clara no quadro de 1342, A apresentação de Jesus no templo.

A Virgem da Anunciação, Simone Martini, Galeria Uffizi, Florença, 1333.

sexta-feira, 4 de março de 2022

A pintura gótica (III)

 


A pintura gótica tem em Giotto um marco essencial. Na verdade, existe neste artista o reconhecimento de que a pintura no ocidente tem em Giotto um marco fundador e transformador do que se seguiria. Em Giotto a influência da arte bizantina já não se constitui como uma influência, mas apenas como um elemento do passado que foi amplamente transformado. 

Giotto, de nome Giotto di Bondone foi contemporâneo de Ducio, tendo assim vivido entre os séculos XIII e XIV.  Com o Giotto o espaço de representação muda e as figuras apresentam-se a uma escala maior, a que se ajusta aos espaços dos edifícios e é um marco na pintura. A arte gótica atinge na pintura uma expressão máxima com Giotto. Verificamos a existência de "uma personalidade criadora" (Michael Levey), embora só no renascimento essa abordagem se torne mais difundida. Giotto não vivei no renascimento, mas ele é a porta de entrada na pintura para esse período. Giotto vive ainda na arte gótica, mas prepara já outra época. 

Em Giotto e nesse período mais alto da pintura gótica verificamos uma graciosidade dos valores espirituais representados e uma atmosfera de jovialidade e de beleza que impressionam. O mundo linear dos seus antecessores é substituído por uma representação com mais volume e de maior substância, de maior vivacidade nos elementos. O mundo real assume uma importância muito significativa e as formas naturais são vistas como uma das linhas mais importantes da pintura. 

Giotto foi muito influenciado pelo naturalismo romano de Pietro Cavallini e sobretudo por Nicola e Giovanni Pisano, pintores naturais da Toscânia, a província onde Giotto nasceu. Com Pisano Giotto aprendeu o valor das formas representadas de um modo mais substantivo, mais afirmativo e o individualismo nas próprias formas. Claridade e luz ficaram como ideias de Pisano para Giotto. A rigidez da arte bizantina desaparece. Giotto pintou painéis e frescos.

Os painéis embora de tamanho mais reduzido que os frescos, há neles como que uma vontade de transcendência expressa nas formas e nas cores. O painel Nossa Senhora e o Menino, pintado entre 1320 2e 1330 dá-nos uma representação com um significado de humanidade que nos convoca para a sua real dimensão. Ela é representada, como se fosse maior, nos seus aspetos humanos e fá-lo com uma evidente ternura e uma dignidade assombrosas.  O Menino, ele próprio transmite uma áurea de realeza, pois o braço da mãe funciona quase como um trono. Todo o conjunto nos interpela, não nos afasta, aproxima-nos dessa humanidade das figuras representadas.

Nossa Senhora e o Menino / Giotto, 1320/1330. Galeria Nacional de Arte, Washington.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A pintura gótica (II)


A pintura gótica é um dos marcos da cultura ocidental e teve entre os séculos XII a XV um papel muito importante como referência cultural e social na Europa, vista de um modo genérico. O desenvolvimento das cidades no século XII abriu novas possibilidades à criação artística e ao que foi a a arte gótica. Se Cimabue foi em Florença im importante artista a criar as primas linhas de demarcação da estética bizantina, Duccio teve em Siena um importante papel na evolução da arte gótica.

Ducio , de nome completo Ducio di Buoninsegna e que viveu entre o final do século XIII e os primeiros anos do século XIV faz evoluir o gótico, na pintura de uma forma muito importante. Siena e Florença foram nos séculos XIII e XIV cidades rivais na afirmação de uma arte cada vez mais sublime.  Giotto foi um marco decisivo na arte florentina e Ducio teve um papel semelhante nas cidade do sul de "Itália".

A principal obra de Ducio foi Maestà, que resultou de uma encomenda da catedral de Siena em 1308 e aí instalada três anos mais tarde.  A obra seria mais tarde (século XVIII)  retalhada e espalhada  em painéis isolados pelo mundo, pois deixou de ser considerada relevante, ou apreciada no espaço da catedral de Siena. a obra foi pintada dos dois lados, tendo o painel frontal três partes. O principal mostrava a Mãe e o filho sentados num trono, estando rodeados por anjos. A parte inferior do painel descrevia cenas da infância de Jesus e uma parte superior apresentava cenas dos últimos anos da vida da Virgem. Estes espaços superior e inferior perderam-se com o tempo.

Esses espaços superior e inferior do quadro (o reverso) continham ainda a representação de As santas Mulheres no Sepulcro, que a ligava à Paixão de Cristo e ao encontro com o anjo Gabriel. IO quadro tem uma mensagem muito forte sobre as ideias básicas transmitidas por esta figura. Mensagem de grande valor artístico e representada de forma graciosa. O quadro devolve-nos um ambiente de relação entre um conjunto de figuras, onde se sentem elementos de interioridade que são eles próprios um mistério. Existe uma mensagem numa atmosfera de despojamento e de algo a entender.

A pintura de Ducio em Maestà revela influências de artistas que o influenciaram, como Nicola e Giovanni Pisano, onde as figuras assumem posturas graciosas revelando uma graciosidade que marcará a arte gótica. A fluidez das formas concede uma dimensão de volume que influenciará a arte gótica e a demarcam do tempo e das formas da arte bizantina.

Imagem: Ducio, Maestà, Catedral de Siena, 1308-11

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

A pintura gótica (I)

A pintura gótica é um dos marcos da cultura ocidental e teve entre os séculos XII a XV um papel muito importante como referência cultural e social na Europa, vista de um modo genérico. O século XIII e o seu crescimento económico fez surgir as condições para o desenvolvimento das cidades, de onde um grupo de comerciantes e e um cristianismo mais triunfante permitiram as condições para o desenvolvimento da arte gótica.

As catedrais góticas, com destaque para as Chartres, Reims e Amiens, naquilo que foi o gótico flamejante deu também à pintura possibilidades de se afirmar numa abordagem muito diferente do que tinha sido a pintura do românico ou da arte bizantina. O naturalismo e o seu crescimento ao longo do período em que se desenvolveu foi adquirindo um crescente naturalismo. Esta característica nascida no final do século XIII em alguns artistas italianos tornou-se o traço dominante até finais do século XV.

A pintura gótica iniciou-se em Itália no século XIII e foi determinada pela escola grega que dominava a arte bizantina. A arquitetura gótica emancipou-se mais cedo, tendo a pintura demorado mais tempo a  evoluir dos estilos anteriores, nomeadamente, o bizantino.  Em Florença e Siena nasceram os primeiros exemplos dessa pintura. Um maior realismo e uma alteração dos efeitos da perspetiva, de modo a criar uma ilusão de espaço real caracterizam esses primeiros exemplos da pintura gótica.

Há nessa original arte gótica na pintura a ideia de procurar uma delicadeza e a revelação de uma elegância no retratado, assumindo-se aquela como um ferramenta cultural e social para contar uma narrativa aos muitos que não sabiam ler. A expressividade dos rostos e a sua espiritualidade condizia a narrativa para uma atitude mais emotiva que a observada na pintura bizantina.

Cimabue é o principal nome dos primeiros tempos da pintura gótica.  Vivei entre o final do século XIII e os primeiros anos do século XIV e trabalhou sobretudo em Florença.  Influenciou muito um nomes mais marcantes do gótico, Giotto d a sua produção foi tão vasta que é considerada que muita da produção atribuída a Cimabue foi realizada por diferentes artistas.  Este pintor iniciou-se na arte bizantina, mas a sua pintura evoluiu dos seus traços tradicionais ligados à pintura dos ícones e passou a definir na sua pintura um realismo que vai ser determimante na pintura ocidental. 

 a sua principal obra é Maestà feita entre 1280-1285 e representa Maria e o menino sentados num trono e rodeados de anjos.  Há no quadro uma grande emotividade e expressividade, pois pressente-se uma doçura no olhar que já não se identifica com a pintura bizantina.  Essa alteração pode também ser vista na textura do vestuário, assim como o espaço representado que assume uma dimensão de abertura evocando uma dimensão tridimensional.

Cimabue, Maestà, 1280-85 - Igreja de Santa Trinità, Florença.