sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Dia internacional da biblioteca escolar (III)

A partir da leitura de A fada palavrinha e o gigante das bibliotecas de Luís Ducla Soares e do visionamento do respetivo filme, os alunos do 4.º ano de .... construíram as seguintes ideias sobre as Bibliotecas.
A biblioteca é um sítio muito importante, porque lá podemos aprender a ler, podemos imaginar, divertirmo-nos a brincar com as histórias e ler com os amigos. (Rubim Soares)
As bibliotecas são importantes para incentivarem as pessoas a lerem mais. (Bruna Saleiro)
Ler leva-te ao mundo da imaginação. Quando lês consegues imaginar a aventura, a felicidade, o terror, o nojo, ou algum problema que as personagens estão a passar. Numa biblioteca, podes encontrar isso e muito mais. Por isso, requisita e lê os livros da biblioteca. As bibliotecas dão conhecimento e diversão. (Margarida Calçada)
As bibliotecas são muito importantes, porque lá as pessoas podem estudar, ler e ter várias sensações. Também podem levar os livros para casa e aprender mais, assim ficam muito mais espertas e com mais vontade de ler. (Rodrigo Correia)
Sem as bibliotecas nas escolas, nenhuma criança saberia o que era o mundo da verdadeira alegria. (Maria Leonor Pereira)
Professora Maria de Fátima Alves - Turma 4.º MD
Imagem: Copyright - Imagem: Copyright - Kat Menschik

Dia internacional da biblioteca escolar (II)

 
A partir da leitura de A fada palavrinha e o gigante das bibliotecas de Luís Ducla Soares e do visionamento do respetivo filme, os alunos do 1.º ano da EB1 de Góios construíram as seguintes ideias sobre as Bibliotecas.
  • Nas bibliotecas há muitos livros e nele podemos aprender muitas coisas. (Martim A.)
  • Os livros ajudam-nos a conhecer coisas e lugares que nunca vimos antes. (Beatriz)
  • Eu gosto muito de ir buscar livros à biblioteca. Dantes era a minha mãe que lia, mas agora eu vou aprender a ler e vou ler eu para ela. (Guilherme)
  • A biblioteca é um lugar confortável. É limpo e arrumado. Eu gosto de olhar para os livros e imaginar histórias. (Dinis)
  • A biblioteca está cheia de livros que nos ensinam. Eu gosto muito mais de ver histórias nos livros do que no telemóvel da mãe. (Lara)
Professora Marina Cardoso 
Imagem: Copyright: Isabelle Arsenault (ilustração para a velocity of being-letters to a young reader / Maria Popova, Brooklin: New York: Enchanted Lion Books, 2018.).

Dia internacional da biblioteca escolar (I)

A partir da leitura de A fada palavrinha e o gigante das bibliotecas de Luís Ducla Soares e do visionamento do respetivo filme, os alunos do Jardim de Infância de Cepães construíram as seguintes ideias sobre as Bibliotecas.

  • As bibliotecas escolares são importantes porque podemos ler e estudar.
  • Nas bibliotecas devemos falar baixinho para podermos ler os livros.
  • Nas bibliotecas devemos estar quietinhos e caladinhos.
  • Quem vai à biblioteca tem que deixar os livros no mesmo sítio, quer dizer (arrumadinhos).
  • Nas bibliotecas podemos encontrar livros para crianças, para bébés e para adultos
Educadora Maria Fernanda Loureiro
Jardim de Infância de Cepães - Turma CA

Outubro Rosa


A Liga portuguesa contra o cancro dinamiza mais uma vez um conjunto de iniciativas para consciencializar todos da importância da prevenção e apoio a quem sofre de cancro da mama. O "Outubro Rosa" é uma iniciativa que teve o seu ponto original nos Estados Unidos, na década de noventa do século passado. A ideia generalizou-se a diferentes países que a promovem pela sua importância, na sensibilização da população para este assunto muito relevante para a saúde.
A participação nas iniciativas desta Onda Rosa é possível a um conjunto diversificado de instituições e de todos. As atividades podem ser realizadas individualmente ou em grupo, de modo a que passe a informação mais relevante para este assunto. O conjunto de escolas que forma o Agrupamento incentivou todos a demonstrar o valor desta mensagem pela utilização de um sinal visual que dê corpo a esta onda que procura lutar pela vida e pela esperança das mulheres que são atingidas anualmente pela doença.
A Liga portuguesa contra o cancro organizou um conjunto de materiais que podem ser observados aqui

Celebrar o Halloween


Halloween, hoje chamado Dia das Bruxas é uma tradição que se comemora especialmente nos países de cultura anglo-saxónica, como o Reino Unido ou os Estados Unidos da América. A palavra vem do inglês com o significado de «Hallowed» que significa «santo» e «en» que significa «noite». O seu significado liga-se pois a Noite Santa ou Noite de todos os Santos.

O Halloween remonta aos Celtas, povo da idade do ferro, e às festividades que aquele povo fazia em honra dos mortos. Para os Celtas o Halloween marcava a proximidade do solstício de Inverno e indicava o fim oficial do Verão. Marcava igualmente o início do provisionamento dos diversos bens alimentares para todo o Inverno. O Halloween era para os Celtas no fundo uma forma diferente de crença na vida após a morte e na comunicação entre todos os elementos organizadores do universo, o espaço e o tempo. Todo o enquadramento da fantasia ligado ao Halloween relaciona-se com a defesa dos vivos face ao outro mundo, oculto e desconhecido.

A partir do século I os Romanos abandonaram esta tradição. A figura da bruxa aparece na Idade Média e por relação com a intolerância religiosa, tendo ficado associado a esta tradição. A Igreja no século IX deslocou de Maio para 1 de Novembro a celebração do Dia de Todos os Santos para diminuir os cultos pagãos que a norte da Europa tinham muita importância. Houve assim uma junção dos cultos cristãos e pagãos, um pouco como no  Brasil, em que a cultura negra integrou os valores da cristandade europeia.

Hoje o Halloween tem um conjunto de adereços que foram surgindo em diferentes locais  e diversas épocas. São os disfarces, criações dos períodos em que o medo da morte assolou a Europa, como no século XIV. A própria tradição de pedir um doce ou oferecer uma travessura que ainda hoje é celebrado em Inglaterra como uma festa nacional tem ainda a ver com as  lutas civis que opuseram católicos e protestantes no século XVII. No século XIX, os imigrantes  irlandeses que foram para os Estados Unidos levaram o património celta, tornando o Dia das Bruxas uma tradição cultural muito apreciada. 

Minutos de leitura

 

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.

Não há palavra com tanto mar
como a palavra
Açores.



"Tanto mar", in Escrito no mar; Livro dos Açores. Lisboa: Sextante Editora: 2008
Imagem: © – Paulo Ricca; As ondas na praia vulcânica, Faial.


Minutos de leitura


"Atravessaram o Mar dos Sargaços e viram peixes voadores.
E viram as grandes baleias que atiram repuxos de água para o céu e viram os grandes vapores que deixam atrás de si colunas de fumo suspensas no ar. E viram os icebergues majestosos e brancos na solidão do oceano. E nadaram ao lado dos veleiros que corriam velozes esticados no vento. E os marinheiros gritavam de espanto quando viam um rapaz agarrado à cauda dum golfinho. Mas eles mergulhavam e desciam ao fundo do mar para não serem pescados. Aí estavam os antigos navios naufragados com os seus cofres carregados de oiro e os seus mastros quebrados cobertos de anémonas e conchas.
Depois de nadarem sessenta dias e sessentas noites chegaram a uma ilha rodeada de corais. O golfinho deu a volta à ilha e por fim parou em frente duma gruta e disse:
– É aqui; entra na gruta e encontrarás a Menina do Mar.
– Adeus, adeus, golfinho. Obrigado, obrigado.
A gruta era toda de coral e o seu chão era de areia branca e fina. Tinha em frente um jardim de anémonas azuis. O rapaz entrou na gruta e espreitou. A menina, o polvo, o caranguejo e o peixe estavam a brincar com conchinhas. Estavam quietos, tristes e calados. De vez em quando a menina suspirava.
– Estou aqui! Cheguei! Sou eu! – gritou o rapaz. (…)
Então a Menina do Mar sentou-se no ombro do rapaz e disse:
– Estou tão feliz, tão feliz, tão feliz! Pensei que nunca mais te ia ver. Sem ti o mar, apesar de todas as suas anémonas, parecia triste e vazio. E eu passava os dias inteiros a suspirar. E não sabia o que havia de fazer. Até que um dia o Rei do Mar deu uma grande festa. Convidou muitas baleias, muitos tubarões e muitos peixes importantes. E mandou-me ir ao palácio para eu dançar na festa. No fim do banquete chegou a altura da minha dança e eu entrei na gruta onde o rei do Mar estava com os seus convidados, sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos-marinhos. Então os búzios começaram a cantar uma cantiga antiquíssima, que foi inventada no princípio do Mundo. (…)
Então o Rei do Mar teve pena da minha tristeza e teve pena de ver uma bailarina que já não sabia dançar. (…)
No dia seguinte de manhã eu voltei ao palácio. E o Rei do Mar sentou-me no seu ombro e subiu comigo à tona das águas. Chamou uma gaivota, deu-lhe o frasco com o filtro de anémonas e mandou-a ir à tua procura. E foi assim que eu consegui que tu voltasses. (…)
– Agora a tua terra é o mar – disse a Menina do Mar.
E foram os cinco através de florestas [A menina do Mar, o rapaz, o polvo, o peixe e o caranguejo], areais e grutas.
No dia seguinte houve uma festa no palácio do Rei. A Menina do Mar dançou toda a noite e as baleias, os tubarões, as tartarugas e todos os peixes diziam:
– Nunca a vimos dançar tão bem.
E o Rei do Mar estava sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos-marinhos e o seu manto de púrpura flutuava nas águas.
A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora, 2012. 
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Escritor do mês - outubro (IX)

 "Para salvares uma ideia, não a leves contigo, entrega-a a outras pessoas. A morte deve ser vista como uma entrega de si mesmo ao mundo. Não adianta levar connosco a forma do nosso nariz nem uma bela teoria sobre o tempo, mas sim deixar que a forma do nosso nariz mude o mundo à nossa volta, como terá feito o de Cleópatra, ou que a nossa bela teoria encontre outras cabeças para crescer, melhorar e evoluir. Desejaríamos isso a um filho, creio que o devemos fazer em relação às ideias.
Sublinho o chavão: a vida é uma dádiva. Recebemos algo, transformamos e entregamos, reforçando a ideia popular de que não levaremos nada desta vida. Excepto o que demos.
A nossa barca é onde colocamos a nossa identificação, em que que arca queremos parir, em que direcção. Um homem que pensa em dobradiças viverá em parafusos, num portão ou na porta de um armário de cozinha, um homem que pensa em libertar o Homem  viverá em todos os heróis. Cada um escolhe a sua Terra Santa. O seu lugar para continuar vivo, evoluindo, crescendo, transformando-se. Cada um escolhe o seu Céu, o seu Paraíso ou o seu Inferno. O lugar pelo qual morreria: uma ideia, um filho, uma cadeira, uma pedra, um sonho, um iate, um livro. Depois de escolher a terra para ser enterrado e ressuscitado, nela continuaá a ser outra coisa e, ao mesmo tempo, o que sempre foi.
É curioso que a maior parte das pessoas identifica a infância como o tempo mais feliz das suas vidas, mas quando lhes perguntamos se gostariam de voltar para trás no tempo, dizem que não, que preferem continuar como estão, tenham a idade que tiverem. A vida parece fazer sentido na etapa que está a ser vivida e não noutra, independentemente do grau de felicidade que acreditamos ter. Dar, ao contrário do que possa parecer, não nos esvazia, preenche-nos, dá-nos a plenitude, a sensação de que usámos todo o nosso potencial e que não faz sentido voltar atrás, pelo contrário, há que terminar a história, há que dar-lhe um final, um significado, deixar uma herança: a nossa cultura e as nossas ideias, os nossos medos, as nossas dores. Algo que se juntou naquilo que somos e que se derramou pelo mundo e por outras pessoas durante a nossa vida e que continuará a viver pela eternidade. Não há nada que façamos que não tenha tenha consequências eternas."

Jalan, Jalan, uma leitura do mundo / Afonso Cruz. Lisboa: Companhia das Letras, 2017

Minutos de leitura


"Há na casa algo de rude e elementar que nenhuma riqueza mundana pode corromper,e, apesar do seu halo de solidão e do seu isolamento na duna, a casa não é margem mas antes convergência, encontro, centro. 
Quem nas janelas do corredor olha para fora e vê o muro de granito, as árvores na distância e os telhados a oeste, aquilo que vê aparecer-lhe como um lugar qualquer da terra, como um acidente, um lugar ocasional entre o acaso das coisas.
Mas quem do quarto central avança para a varanda e vê, de frente, a praia, o céu, a areia, a luz e o ar, reconhece que nada ali é acaso mas sim fundamento, que este é um lugar de exaltação e espanto onde o real emerge e mostra o seu rosto e sua evidência.
Pelo gesto de desdobrar o pescoço e de sacudir as crinas, as quatro fileiras de ondas, correndo para a praia, lembram fileiras brancas de cavalos que no contínuo avançar contam e medem o seu arfar interior de tempestade. O tombar da rebentação povoa o espaço de exultação e clamor. No subir e descer da vaga, o universo ordena seu tumulto e seu sorriso e, ao longo das areias luzidias, maresia e brumas sobem como um incenso de celebração.
E tudo parece intacto e total como se ali fosse o lugar criado que preserva em si a força nua do primeiro dia criado."

A casa do mar", in Histórias da terra e do mar. Sophia de Mello Breyner Andresen. Porto: Figueirinhas,2006
Imagem: Copyright - Waves, Tim Forcade.

Minutos de leitura

 

O caminho entre a praia e a casa foi percorrido com alguma pressa. Ansiosos, os meus dedos afagavam aquele objecto misterioso que não obedecia à lei fundamental de todo o búzio digno desse nome: trazer gravado dentro de si o marulhar das ondas para que as pessoas possam recordar o ruído do mar, mesmo quando estão longe dele.
Assim que cheguei a casa fechei-me no meu quarto e dispus-me a observar o búzio com toda a atenção: ele recordava vagamente um pião, quer porque uma das pontas terminava num bico aguçado, quer porque era bojudo e reboludinho. Se não fosse aquela boca tão aberta, rasgada na bochecha redonda, quase estava tentado a enrolar-lhe uma corda à cintura e a atirá-lo para o chão só para ver se ele rodopiava. Mas não. Acabei por não arriscar a fazer isso porque receava partir-lhe o bico. Uma vez mais colei o ouvido à boca do búzio mas ele continuou calado. 
Difícil. difícil, foi espreitar lá para dentro, para o fundinho da concha. Tentei todas as posições. todas as iluminações, todas as perspetivas, sentei-me, fiz o pino, deitei-me, andei de gatas e nada, não vi nada, o máximo que consegui topar foi qualquer coisa escurinha no dobrar da primeira contracurva.
- Já sei! Vou imitar os crescidos a comer búzios na cervejaria!"

O Búzio de Nacar / Carlos Correia; il. Henrique Cayatte. Alfragide: Caminho, 1986.
Imagem: Copyright: wattpad

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Nascente Escolar - outubro

 Nascente Escolar - outubro de 2020 by BibliotecasAears on Scribd

Biblio@rs - a civilização romana (III)

                                                          A Civilização Romana  - O espaço

A civilização romana construiu-se à volta do Mediterrâneo. Ele foi a expressão espacial de uma civilização e de uma cultura de grande significado na História da Humanidade. A Península Itálica foi o ponto original desta construção. Situada junto aos Apeninos e banhada pelo mar Adriático e pelo Jónico a oriente e pelo Tirreno a oeste, é ainda limitada  pela cadeia dos Alpes. A Península Itálica é rodeada pelo mar e tem no seu interior diferentes cursos de água. Os rios Pó, Arno e Tibre e os seus afluentes são alguns dos mais significativos. 

A Península Itálica possui um clima ameno com algumas diferenças em função da latitude e da altitude das suas regiões. O solo revelou-se com boas condições para a agricultura. A produção de cereais, do vinho, do azeite, as árvores de fruto como as amoreiras, ou as romãzeiras, ou a criação de gado sempre marcaram a vida de diferentes comunidades nesta região.

O Império organizou-se em quatro zonas distintas que vão acompanhar a sua conquista ao longo dos séculos. Alargou-se desde o centro do Mediterrâneo para ocidente, oriente, norte e sul. A sua maior expressão territorial foi alcançada no século II d.C. 

Na Itália, o Império dividia-se entre as três regiões naturais da Península Itálica: a setentrional, a central, a meridional e a Itália insular. Para a construção do seu império os Romanos enfrentaram diferentes civilizações como a dos Etruscos, dos Gregos, ou dos Cartagineses.
A oriente a a conquista da Grécia, da Macedónia, da Mesopotâmia, da Síria e da Palestina foram decisivas, assim como no Mediterrâneo ocidental, a Península Ibérica, a Britânia e no norte de África Cartago e do Egipto. A expansão na zona da Dácia (Roménia) até ao Danúbio foram outros pontos de um largo império.

Imagem: Muralha de Adriano, séc. II (na zona de Newcastle, Britânia)

Livros do mês - 2.º / 3.º Ciclos (IV) - outubro


"O Cabedelo para mim era o deserto, cheio de prestígio e de aventuras.... Era no Cabedelo  que tomávamos os melhores banhos, deitados na areia, deixando vir sobre nós a vaga num rodilhão de algas e espuma. Andar um momento envolvido na crista da onda, ser atirado numa sufocação sobre a areia, correr de novo para o mar, direito à vaga que se encapela lá no fundo, formando concha, outra vez aturdido e impregnado de uma vida nova; e depois procurar, a escorrer, um côncavo quentinho de areia que nos sirva de abrigo contra o vento e secar-se a gente naquele lençol doirado - é uma das coisas boas da terra. E outro prazer simples e extraordinário é ir descalço pelo grande areal fora com os pés na água. A onda vem, espraia-se, molha-nos e salpica-nos de espuma. Calca-se esse mosto branco e salgado que gela e vivifica, e caminha-se sempre ao lado dos sucessivos rolos que se despedaçam na areia. A onda vem, cresce e, antes de se despedaçar em espuma, o sol veste-a de uma armadura de aço a reluzir. Há-as de um esverdeado de alga morta, há-as que se derretem e fundem em torvelinhos de branco e há-as que recuam e se enovelam noutras ondas prestes a desabar. Mas há umas, esplêndidas, que vi em Mira, ao pôr do sol, quando o vasto areal fica todo ensanguentado. A onda forma-se e corre por aquela magnífica estrada que vem do Sol até à praia, ganha primeiro reflexos doirados na crista e depois, quando se estira pelo areal molhado, fica cor do vinho nos lagares.
Outras vezes percorríamos o Cabedelo a pé como exploradores. Há lá canaviais, poças de água azul e polida, rochas luzidias por onde escorregávamos, peixes nascidos que procuram o refúgio das pedras e a água aquecida para se acabarem de criar. caranguejos nas fisgas e, na vazante da maré, grandes lagos que navegávamos ao acaso, deixando o barco ir à toa e encalhar no areal...
O Cabedelo produz, além das canas, uma espécie de cardo, plantas rasteiras e humildes de folha dura, que dão uma flor pequenina e vermelha, outras que parecem os chapotos que nescem nos velhos muros, e ainda outras mais pobres com a folha em escama pela haste acima. Estes  vastos areais, revestidos às vezes de cabelo de oiro que seguram as dunas, estão todo o ano a concentra-se para em Agosto sair daquela secura e do amargo do sal, um lírio branco que os  perfuma, dura algumas horas e logo desaparece.

Os Pescadores / Raul Brandão- Porto: Porto Editora, 2010
Imagem: Copyright - Benji Davies

Livros do mês - 1.º Ciclo (III) - outubro


"Passaram dias e dias. O rapaz voltou muitas vezes às rochas, mas nunca mais viu a menina nem os seus três amigos. Era como se tudo tivesse sido um sonho.

Até que chegou o Inverno. O tempo estava frio, o mar cinzento e chovia quase todos os dias. E numa manhã de nevoeiro o rapaz sentou-se na praia a pensar na Menina do Mar.
E enquanto assim estava viu uma gaivota que vinha do mar alto com uma coisa no bico. Era uma coisa brilhante que reflectia a luz e o rapaz pensou que deveria ser um peixe. Mas a gaivota chegou junto dele, deu uma volta no ar e deixou cair a coisa na areia.
O rapaz apanhou-a e viu que era um frasco cheio duma água muito clara e luminosa.
– Bom dia, bom dia – disse a gaivota.
– Bom dia, bom dia – respondeu o rapaz. – Donde é que vens e porque é que me dás este frasco?
– Venho da parte da Menina do Mar – disse a gaivota. – Ela manda-te dizer que já sabe o que é a saudade. E pediu-me para te perguntar se queres ir ter com ela ao fundo do mar.
– Quero, quero – disse o rapaz. – Mas como é que eu hei-de ir ao fundo do mar sem me afogar?
– O frasco que te dei tem dentro suco de anémonas e suco de plantas mágicas. Se beberes agora este filtro passarás a ser como a Menina do Mar. Poderás viver dentro de água como os peixes e fora da água como os homens.
– Vou beber já – disse o rapaz.
E bebeu o filtro.
Então viu tudo à sua roda tornar-se mais vivo e mais brilhante.
Sentiu-se alegre, feliz, contente como um peixe. Era como se alguma coisa nos seus movimentos tivesse ficado mais livre, mais forte, mais fresca e mais leve.
– Ali no mar – disse a gaivota – está um golfinho à tua espera para te ensinar o caminho.
O rapaz olhou e viu um grande golfinho preto e brilhante dando saltos atrás da arrebentação das ondas. Então disse:
– Adeus, adeus, gaivota. Obrigado, obrigado.
E correu paras as ondas e nadou até ao golfinho.
– Agarra-te à minha cauda – disse o golfinho.
E foram os dois pelo mar fora.
Nadaram muitos dias e muitas noites através de calmarias e tempestades."

A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora, 2012. Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro

Minutos de leitura

 

"Entre a casa e a cidade longínqua estendem-se as dunas como um grande jardim deserto, inculto e transparente onde o vento que curva as ervas altas, secas e finas faz voar em frente dos olhos o loiro dos cabelos. Ali crescem também os lírios selvagens cujo intenso perfume, pesado e opaco como o perfume de um nardo, corta o perfume árido e vítreo das areias.
Dentro da casa o mar ressoa como no interior de i«um búzio. Quando abro as gavetas a minha roupa cheira a maresia como um molho de algas. Profundos os espelhos reflectem demoradamente os dias. E em frente das janelas o mar brilha como inumeráveis espelhos quebrados. Os móveis são escuros e finos, sem verniz, encerados. O chão é esfregado, as paredes caiadas. Em todas as coisas está inscrita uma limpeza de sal. A exaltação marinha habita o ar. A casa é aberta e secreta, veemente e serena. Nela o menor ruído - tinir da louça, degrau que range, respiração do vento, comboio que ao longe passa - é escutado. A casa está atenta a cada coisa. Todos os dias a renovam. A mais leve nuvem que passa ensombra o vidro dos espelhos. Nela cada coisa é único e precioso como se contivesse a totalidade do tempo. No brilho da mesa, na transparência do copo, há como que uma intensidade repousada.

"A casa do mar", in Histórias da terra e do mar. Sophia de Mello Breyner Andresen. Porto: Figueirinhas,2006
Imagem: Copyright - John Constable, Spring-clouds.

Minutos de leitura

"Passear à beira-mar pela tardinha do sol é dos gostos da vida.

Eu não sei se é a hora, ou será talvez o mar, ou as cores, ou o calor meigo-macio a beijar a flor da água.Sei que é bom andar assim, pé descalço a patinhar lagos de água cristalina, mundos que surgem e somem na areia maciinha, tapetes de veludo loiro com desenhos em relevo de formas bem caprichosas.

NUm desses lagos que a maré formou ao fugir lá para o fundo, para o mais fundinho do mar, encontrei um búzio. Estava semienterrado na areia e ao retirá-lo da água vi claramente visto um vulto que saltou do búzio e - flop! - caiu, no lago, formou um pequeno redemoinho e sumiu.

- Pode lá ser! Um vulto a saltar de dentro de um búzio! Que excesso de imaginação...

Mirei e remirei o búzio, tentei espreitar o seu interior, mas todas aquelas curvas despistaram-me o olhar. Depois fiz como toda a a gente, colei o búzio ao ouvido e disse para mim mesmo:

- Encosto o búzio oa ouvido direito, o mar está do lado esquerdo, portanto talvez consiga ouvir o barulho das ondas em estereofonia. Oh, amarga desilusão!.... Se as ondas marulhavam normalmente, o búzio, esse, permaneceu mudo, não soltou sequer um pio! Caso mais esquisito.... Um búzio acabadinho de sair da água do mar e que não aprendeu a falar a linguagem das ondas... Estava cada vez mais intrigado. Pelo sim, pelo não, resolvi guardá-lo no bolso e regressei imediatamente a casa."

O Búzio de Nacar / Carlos Correia; il. Henrique Cayatte. Alfragide: Caminho, 1986
Imagem: Copyright - Dumarsismck

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Escritor do mês - outubro (VIII)



"O erro está muito próximo da inutilidade e ambos têm um papel fulcral na criatividade. Não precisarei de salientar este ponto que já foi muito debatido, mas sublinho a convicção de que as coisas mais importantes da vida não são utilitárias: desprezamos quem um gesto por lucro ou benefício e não pelo gesto em si, ou por amizade ou amor. 

O que sentiríamos se um amigo confessasse que só conversa connosco porque lhe pagam para isso?
Ou que uma mãe confessasse ao filho que apenas o educa e o trata bem de modo a ter alguém para a amparar na velhice? É na inutilidade que está o altruísmo e aquilo que o ser humano considera naturalmente mais nobre. (...)

A ficção e a cultura constroem tudo o que somos. Não nascemos com pelos e dentes afiados e garras. Criamos roupas e ferramentas, que são sempre produto da ficção, da cultura. 
A verdade salva-nos, por motivos evidentes, mas a ficção também. Podemos avisar que um tigre se aproxima, é importante dizer a verdade, constatar, mas para nos defendermos dele, precisamos de, antes de o animal ter aparecido, ter imaginado essa possibilidade para que nos consigamos salvar.

A ficção salva-nos. Literalmente. Por imaginarmos, conseguimos saber o que fazer, conseguimos ter as ferramentas ou opções necessárias ao ato. Os animais nascem com a verdade, com uma sólida realidade que lhes deixa um reduzido espectro de aprendizagem; nós nascemos com menos verdade, com menos realidade, mas com possibilidades, com as armas imponderáveis da ficção: criamos."

                      Vamos comprar um poeta / Afonso Cruz. Alfragide: Caminho, 2016.

Minutos de leitura

 

Mas hoje acordo, subo ao convés e tenho uma alegria frenética. Tudo isto, todo este azul, toda esta frescura, me entra em jorro pelos olhos dentro. A tinta azul não só ondula – estremece em pequenos grãos vivos, duma acção extraordinária, e o mundo sempre novo que me rodeia penetra-me do seu bafo e comunica-me a sua vida. (…) Luz cinzenta, luz doirada – transparência azul boiando cheia de cintilações ao longe, e depois mais luz viva que nasce e estremece diante da grande massa escura que sai do mar sobre a magia do nascente (…) E é esta luz que me acompanha e nunca mais me larga. A mim que vivo de luz límpida, e que acordo todas as manhãs com o pensamento na luz.” 

As Ilhas Desconhecidas / Raul Brandão. Lisboa: Quetzal, páginas. 12, 15 e 19
Imagem – No mar de São Miguel, Açores.

Minutos de leitura

 "– Tenho tanta curiosidade da terra – disse a menina -; amanhã quando aqui vieres, traz-me uma coisa da terra.
    E assim ficou combinado.
    No dia seguinte, logo de manhã, o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
    – Bom dia, bom dia, bom dia – disseram a menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
    – Bom dia – disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
    – Trago-te aqui uma flor da terra – disse -; chama-se rosa.
    – É linda, é linda! – disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
    – Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
    A menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.
    Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
   – É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
    – Isso é por causa da saudade – disse o rapaz.
    – Mas o que é a saudade? – perguntou a Menina do Mar.
    – A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
    – Ai! – suspirou a Menina do Mar olhando para a terra. – Porque é que me mostraste a rosa? Estou com vontade de chorar.
    O rapaz atirou a rosa e disse:
    – Esquece-te da rosa e vamos brincar.
    E foram os cinco, o rapaz, a menina, o polvo, o caranguejo e o peixe pelos carreirinhos de água, rindo e brincando durante a manhã toda.
    Até que a maré começou a subir e o rapaz teve que se ir embora.
    No dia seguinte, de manhã, tornaram a encontrar-se todos no sítio do costume.
    – Bom dia – disse a menina. – O que é que me trouxeste hoje?
    O rapaz pegou na Menina do Mar, sentou-se numa rocha e ajoelhou-se a seu lado.
    – Trouxe-te isto – disse. – É uma caixa de fósforos.
    – Não é lá muito bonito – disse a menina.
    – Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama fogo. Vais ver.
    E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo.
    A menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
    – Isso – disse o rapaz – é impossível. O fogo é alegre, mas queima.
    – É um sol pequenino – disse a Menina do Mar.
    – Sim – disse o rapaz – mas não se lhe pode tocar.
    E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.
    – Tu és bruxo – disse a menina -, sopras nas coisas e elas desaparecem.
    – Não sou bruxo. O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro o apaga. Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades.
    – Então o fogo é pior que a Raia? – perguntou a menina.
    – É conforme. Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante a noite. Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.
    – As coisas da terra são esquisitas e diferentes – disse a Menina do Mar. – Conta-me mais coisas da terra.
    Então sentaram-se os dois dentro de água e o rapaz contou-lhe como era a sua casa e o seu jardim e como eram as cidades e os campos, as florestas e as estradas.
    – Ah!, como eu gostava de ver isso tudo – disse a menina cheia de curiosidade."

A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora, 2012. 
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

dia internacional da biblioteca escolar

“Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me contou que somos feitos de histórias.” (Eduardo Galeano, Os filhos dos dias.)
 
No ano em que se tenta incentivar um caminho de biblioteca escolar feito de descobrir caminhos e de promoção da saúde e do bem-estar parece muito adequado discutir essa ideia de Eduardo Galeano, matéria ou espírito, átomos ou histórias, como o sinal mais intenso e interno de uma respiração.

As bibliotecas escolares, como as  outras podem ser muitas coisas, mas são antes de tudo o mais essa celebração das palavras. Elas não são apenas a imaginação de um possível, o que já é muito, mas são igualmente a experimentação de uma emoção nas narrativas e nos sonhos dos outros. Conhecê-los significa estar disponível para o reconhecimento da diversidade e das necessidades dos outros. É ver a multiplicidade e encontrar inspiração em pessoas concretas, num mundo real.

As histórias estão no início de tudo. Estão antes da própria História enquanto sociedade moldada por uma memória escrita e por símbolos de organização. As histórias são a existência de uma respiração inicial, do primeiro homem, da sua experiência e dos seus encontros. Em cada descoberta se encontrou uma história de afirmação de pessoas e grupos. 

As histórias nasceram nos pontos em que cada ouve o que o outro tem para dizer, para comunicar, para anunciar, para solicitar como incentivo, ou como pedido de ajuda. Permanece a pergunta.Somos feitos de histórias ou de átomos?
 
Na sua expansão de matéria, no nascimento de um espaço, de um lugar pequenas histórias se levantaram. O que é toda a história da literatura e da arte senão uma longa enciclopédia colorida de histórias? O que fazem as histórias?

As histórias não prolongam a realidade, não a assumem como um movimento definido de matéria. Pretendem antes transformá-la, escutando o passado para imaginar outros presentes. As histórias são as mais sábias formas de romper a resignação do mundo e de sonhar um outro possível, uma outra linha de histórias, diversas como as pessoas. A qualidade da experiência da vida depende das histórias num mundo marcado pelo domínio das coisas.

As palavras não são objetos ,nem sobrevivem como tal. São a respiração de uma voz, a liberdade de uma voz humana e é dessa importante lembrança que são feitas as histórias. Deixamos a pergunta que Eduardo Galeano assumiu como uma certeza. Somos feitos de histórias ou de átomos? Se alguém quiser adiantar uma ideia...

Imagem: Copyright - Suren Nerssisyan

Dia internacional da biblioteca escolar


 Proposta de leitura para este dia, para a celebração do dia da biblioteca escolar.

mês internacional das Bibliotecas escolares


Há já há d
iversos anos que no mês de outubro se celebra, o mês internacional das bibliotecas escolares. Esta iniciativa é promovida pela IASL (International Association of Scholl Libraries). Este ano foi escolhido o dia 26 de outubro para celebrar esta data, onde se procura convidar todos a celebrar a  ligação entre os livros, a leitura e as bibliotecas, como espaços de aprendizagem e de descoberta.
 
Todos os anos a IASL propõe um tema, e o deste ano é "Descobrir caminhos para a saúde e o bem-estar", que tenta associar as bibliotecas a espaços de segurança e de conforto pela fruição dos livros e das ideias que durante tantos séculos muitos nos deixaram como uma dádiva. Neste sentido ler pode ser uma terapia para nos reencontrarmos, ou tão simplesmente vermos melhor, com mais confiança sobre as dificuldades destes dias.

A biblioteca escolar procura neste e noutros dias dar mostra pela celebração de um espaço que é para todos, na promoção de valores de cidadania. Neste contexto é importante recordar que os livros são ainda, uma terapia para uma saúde equilibrada e de bem-estar para todos. O que pode então um livro dar-nos para sedimentar esse bem-estar? Pensem nisso e até ao fim do mês daremos algumas ideias sobre esse espaço que Alberto Manguel chamou "as clínicas da alma".

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Do livro e da leitura (III)

 O livro e a leitura - celebrar os momentos íntimos da leitura!

"Um dia, eu disse: vamos brincar à beleza das coisas que se pensam, como as que se lêem. Porque as coisas que se lêem precisam de ser pensadas. 
E ela perguntou: as que existem ou as que não existem? E eu disse: todas. As coisas todas que pudermos imaginar.
Então, ela propôs: pássaros com trombas de elefante a voar sobre cabeças de mulheres com raízes de árvores."

"O rapaz que habitava os livros", in Contos de cães e maus lobos / Valter Hugo Mãe. Porto: Porto Editora, 2015, págs. 95-97.
Imagem - Copyright: Reading Lamp, Elin K. Danielson-Gambog.

Minutos de leitura


 
Azul? Essa cor toda enorme…”
(a criança)

Já pouco se movem os corpos no fim desta tarde. Ouço vozes que terão vindo de outros lugares.
A verdade é que isso me incomoda. Prefiro vozes que condigam com aquilo que olho. De repente, ou do calor ou do vinho, já não sei bem da geografia do lugar onde me encontro.

Pequenas palavras caem como pingos de chuva. Pequenas ideias, murmúrios de sonhos, restos de coisa dita superficialmente. Talvez a minha missão nesta cidade seja catar estes restos e montar um puzzle maior. Talvez eu não tenha missão alguma. Talvez eu não esteja aqui. E o pior de não se estar num lugar é o esforço de definir um outro lugar onde se esteja.

- Usa uma âncora...
A frase antiga, é do meu avô paterno. O pescador. 
- Ferra a âncora - ouço-o dizer-me.

Defino, com esforço, que ele esteja aqui comigo.
Agora. Mas a âncora é o presente. Ele talvez seja a canoa. Ou ele - ou eu.
Ancorar-me. Olhar o que posso ver, ajustar as vozes aos corpos. Encaixar o que foi - fôr - dito aos corpos que respiram e se movem. Libertar-me do calor e do peso. Não ser um, mas "mais um".

- Ferra a âncora, agora!
Obedeço. Humedeço os olhos com o tom da sua voz. Eu queria uma estória. uma estória de pescador. O que elas têm de mágico é quase sempre fugirem ao banal. Lembro-me de pensar isto desde criança: são de verdade as estórias dos pescadores. São sempre simples. São sempre breves. Límpidas. São belas sem se afastarem da textura do sal. A pele queimada, limpa: é isso que lembram as estórias dos pescadores.

Ferrei a âncora. Encontrei sons e sorrisos correspondentes. As vozes reencontraram-se com as bocas presas aos corpos. Respiro ainda devagar.
Na curva de uma chávena, vejo o reflexo do meu rosto. Sou uma criança sentada a rir das estórias breves do meu avô. E outra. e outra mais.

- Há muito silêncio nas tuas estórias. nos teus dias. No teu mar - provoco.
- É uma âncora. Tu gostas de palavras. Nunca serias pescador. Talvez poeta. Se eu disser "azul", tu vês o quê? - o meu avô faz uma careta de pele queimada.
Não respondi. Fiquei quieto. Os corpos moviam-se ao fim da tarde.
Ele insistia com essas palavras em pingos de chuva:
- Eu vejo o céu. Só o meu céu. Azul e simples.

Humedeço os olhos com o tom da tua voz. ele não tinha fugido ao banal. Mas, dito por um pescador, já não era banal.
- para mim "azul" pode ser a parte de dentro das pessoas - murmuro eu.
Ferro a âncora. deixo que a voz reencontre o meu corpo. Talvez eu não esteja aqui, em Moçâmedes, com o meu avô.
De repente, já posso respirar fundo."

"Moçâmedes", in Sonhos azuis pelas esquinas / Ondjaki. Lisboa: Caminho, 2014.
Imagem - Moçâmedes (http://mossamedes-do-antigamente.blogspot.pt)