"No dia da escolha, fomos a uma loja, eu e o pai. O pai não é alto, e eu tampouco, aliás, é por isso que na escola me chamam ordenado mínimo, que é algo que já existiu em tempos,mas que felizmente foi extinto, porque, dizem, era um entrave à competitividade mais elementar.
Na loja havia poetas de muitos tipos, baixos, altos, louros, com óculos (são mais caros), sendo a maior parte, sessenta e dois por cento, carecas, e sessenta e oito por cento da barba.
Gostei de um que era ligeiramente marreco,uma escoliose com uma curvatura oblonga.
Trajava um colete de fazenda, setenta e cinco por cento lã, sendo os restantes vinte e cinco nylon, calças de bombazina castanhas, pantone setecentos e trinta e dois, sapatos de couro já muito usados. Fungava e tinha um livro debaixo do braço. Nenhuma das suas roupas tinha patrocínio de marcas.
O pai cumprimentou o vendedor com a cortesia destas ocasiões, há sempre uma grande solenidade, sacralidade, no ato de iniciar um possível negócio.
Que os números lhe sejam favoráveis, disse ele.
Crescimento e prosperidade, respondeu o vendedor."
Vamos comprar um poeta / Afonso Cruz. Alfragide: Caminho, 2016.
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