10 de
Agosto - 1921
Esta nossa terra portuguesa vai pela costa fora sempre de braços abertos para o mar, estreitando-o amorosamente contra si. Começa em Caminha até ao forte de Ãncora - de Âncora ao extremo do monte da Gelfa, e daí ao farol de Montedor, em três largas reentrâncias, que têm como pano de fundo a cadeia azulada dos montes, de onde emerge um ou outro cone transparente... Todas as povoações são viradas para o mar. O sol doira uma janela, uma eira, um espigueiro, o campo de milho alimentado a sargaço que tem os pés na água. E o biombo cor de lousa desenrola-se ao lado do comboio...
31 de Agosto
Deixo
esta manhã Viana e os incaracterísticos pescadores da Ribeira e sigo pelo
pinhal de Darque, Anha, S. Romão de Neiva, para Esposende, com o rio à esquerda
por terras vermelhas, donde irrompem alguns tufos de pinheiros majestosos como
templos. Ao longe a serra de Arga e as torres de S. Silvestre... Ficam-me na
retina uma igreja branca, a de Darque, recortada ao céu, e a verde solidão dos
pinheirais, que associo sempre à ideia do mar largo. Pela estrada
incaracterística acompanho carreadas de sargaço e de patelo, até que chego a
Belinho, onde o grande poeta exilado bate as portas na cara do mar que detesta
- depois de atravessar um fio de água, com o morro selvático do Castelo de
Neiva em frente.
De Belinho para S. Bartolomeu já me envolve a poalha da tarde e depois uma luz violenta nas Marinhas. Tenho de um lado os montes escuros e do outro o mar verde com o resplendor do céu em cima. À beira da estrada branca de poeira, movem-se ainda - trabalham noite e dia - alguns grupos de moinhos. E esta engenhoca seduz-me: anima a paisagem e tem alguma coisa de navio e de brinquedo de criança.
Faz-se tarde. No fundo mais negro, as casas, mais pálidas, embranquecem: só o milho fica loiro e o céu fica doirado. (...) Esposende, terra de beira-mar, donde não consigo ver o mar, terra de tristes pescadores. As redes de arrasto deram cabo do peixe, matando a criação. Só resta uma catraia para a pescada, alguns batéis para a raia, com redes de malha muito larga, e diferentes barquinhos para a pesca do rio, que dá o sável, a tainha e o robalo na vazante, e a solha que se fisga com a petada nos fundos de areia mais escura.
Os Pescadores / Raul Brandão. Porto: Porto Editora, 2010
Imagem: Copyright - praia de Belinho: C.M. de Esposende
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