segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Minutos de leitura

Então foi brincar para as rochas. Começou por seguir um fio de água muito claro entre dois grandes rochedos escuros, cobertos de búzios. O rio ia dar a uma grande poça de água onde o rapazinho tomou banho e nadou muito tempo. Depois do banho, continuou o seu caminho através das rochas. Ia nadando para o lado sul da praia, que era um lado deserto para onde nunca ia ninguém. 
A maré estava muito baixa e a manhã estava linda. As algas pareciam mais verdes do que nunca e o mar tinha reflexos lilases. O rapazinho sentia-se tão feliz que às vezes punha-se a dançar em cima dos rochedos. De vez em quando encontrava uma poça boa e tomava outro banho. Quando já ia no décimo banho, lembrou-se que deviam ser horas de voltar para casa. Saiu da água e deitou-se numa rocha a apanhar sol. (…)
“Tenho de ir para casa”, pensava ele, mas não lhe apetecia nada ir-se embora. E, enquanto assim estava deitado, com a cara encostada às algas, aconteceu de repente uma coisa extraordinária: ouviu uma gargalhada muito esquisita, parecia um pouco uma gargalhada de ópera dada por uma voz de “baixo”; depois ouviu uma segunda gargalhada ainda mais esquisita, uma gargalhada pequenina, que parecia uma tosse; em seguida uma terceira gargalhada, que era como se alguém de dentro de água fizesse “glu, glu”. Mas o mais extraordinário de tudo foi a quarta gargalhada: era como uma gargalhada humana, mas muito mais pequenina, muito mais fina e muito mais clara. Ele nunca tinha ouvido uma voz tão clara: era como se a aágua ou o vidro se rissem. “

A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora.
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro.

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