"– Tenho tanta curiosidade da terra – disse a menina -; amanhã quando aqui vieres, traz-me uma coisa da terra.
E assim ficou combinado.No dia seguinte, logo de manhã, o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
– Bom dia, bom dia, bom dia – disseram a menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
– Bom dia – disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
– Trago-te aqui uma flor da terra – disse -; chama-se rosa.
– É linda, é linda! – disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
– Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
A menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.
Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
– É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
– Isso é por causa da saudade – disse o rapaz.
– Mas o que é a saudade? – perguntou a Menina do Mar.
– A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
– Ai! – suspirou a Menina do Mar olhando para a terra. – Porque é que me mostraste a rosa? Estou com vontade de chorar.
O rapaz atirou a rosa e disse:
– Esquece-te da rosa e vamos brincar.
E foram os cinco, o rapaz, a menina, o polvo, o caranguejo e o peixe pelos carreirinhos de água, rindo e brincando durante a manhã toda.
Até que a maré começou a subir e o rapaz teve que se ir embora.
No dia seguinte, de manhã, tornaram a encontrar-se todos no sítio do costume.
– Bom dia – disse a menina. – O que é que me trouxeste hoje?
O rapaz pegou na Menina do Mar, sentou-se numa rocha e ajoelhou-se a seu lado.
– Trouxe-te isto – disse. – É uma caixa de fósforos.
– Não é lá muito bonito – disse a menina.
– Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama fogo. Vais ver.
E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo.
A menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
– Isso – disse o rapaz – é impossível. O fogo é alegre, mas queima.
– É um sol pequenino – disse a Menina do Mar.
– Sim – disse o rapaz – mas não se lhe pode tocar.
E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.
– Tu és bruxo – disse a menina -, sopras nas coisas e elas desaparecem.
– Não sou bruxo. O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro o apaga. Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades.
– Então o fogo é pior que a Raia? – perguntou a menina.
– É conforme. Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante a noite. Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.
– As coisas da terra são esquisitas e diferentes – disse a Menina do Mar. – Conta-me mais coisas da terra.
Então sentaram-se os dois dentro de água e o rapaz contou-lhe como era a sua casa e o seu jardim e como eram as cidades e os campos, as florestas e as estradas.
– Ah!, como eu gostava de ver isso tudo – disse a menina cheia de curiosidade."
A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora, 2012.
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro
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