terça-feira, 27 de outubro de 2020

Minutos de leitura

 "– Tenho tanta curiosidade da terra – disse a menina -; amanhã quando aqui vieres, traz-me uma coisa da terra.
    E assim ficou combinado.
    No dia seguinte, logo de manhã, o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
    – Bom dia, bom dia, bom dia – disseram a menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
    – Bom dia – disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
    – Trago-te aqui uma flor da terra – disse -; chama-se rosa.
    – É linda, é linda! – disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
    – Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
    A menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.
    Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
   – É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
    – Isso é por causa da saudade – disse o rapaz.
    – Mas o que é a saudade? – perguntou a Menina do Mar.
    – A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
    – Ai! – suspirou a Menina do Mar olhando para a terra. – Porque é que me mostraste a rosa? Estou com vontade de chorar.
    O rapaz atirou a rosa e disse:
    – Esquece-te da rosa e vamos brincar.
    E foram os cinco, o rapaz, a menina, o polvo, o caranguejo e o peixe pelos carreirinhos de água, rindo e brincando durante a manhã toda.
    Até que a maré começou a subir e o rapaz teve que se ir embora.
    No dia seguinte, de manhã, tornaram a encontrar-se todos no sítio do costume.
    – Bom dia – disse a menina. – O que é que me trouxeste hoje?
    O rapaz pegou na Menina do Mar, sentou-se numa rocha e ajoelhou-se a seu lado.
    – Trouxe-te isto – disse. – É uma caixa de fósforos.
    – Não é lá muito bonito – disse a menina.
    – Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama fogo. Vais ver.
    E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo.
    A menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
    – Isso – disse o rapaz – é impossível. O fogo é alegre, mas queima.
    – É um sol pequenino – disse a Menina do Mar.
    – Sim – disse o rapaz – mas não se lhe pode tocar.
    E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.
    – Tu és bruxo – disse a menina -, sopras nas coisas e elas desaparecem.
    – Não sou bruxo. O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro o apaga. Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades.
    – Então o fogo é pior que a Raia? – perguntou a menina.
    – É conforme. Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante a noite. Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.
    – As coisas da terra são esquisitas e diferentes – disse a Menina do Mar. – Conta-me mais coisas da terra.
    Então sentaram-se os dois dentro de água e o rapaz contou-lhe como era a sua casa e o seu jardim e como eram as cidades e os campos, as florestas e as estradas.
    – Ah!, como eu gostava de ver isso tudo – disse a menina cheia de curiosidade."

A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora, 2012. 
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro

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