Em Setembro veio o equinócio. Vieram marés vivas, ventanias, nevoeiros, chuvas, temporais. As marés altas varriam a praia e subiam até à duna. Certa noite, as ondas gritaram tanto, uivaram tanto, bateram e quebraram-se com tanta força na praia, que, no seu quarto caiado da casa branca, o rapazinho esteve até altas horas sem dormir. As portadas das janelas batiam. As madeiras do chão estalavam como madeiras de mastros. Parecia que as ondas iam cercar a casa e que o mar ia devorar o Mundo. E o rapazito pensava que lá fora, na escuridão da noite, se tratava uma imensa batalha em que o mar, o céu e o vento se combatiam. Mas, por fim, cansado de escutar, adormeceu embalado pelo temporal.
De manhã, quando acordou, tudo estava calmo. A batalha tinha acabado. Já não se ouviam gemidos do vento nem gritos do mar, mas só um doce murmúrio de ondas pequeninas. E o rapazito saltou da cama, foi à janela e viu uma manhã linda de sol brilhante, céu azul e mar azul. Estava maré vaza. Pôs o fato de banho e foi para a praia a correr. Tudo estava tão claro e sossegado que ele pensou que o temporal da véspera tinha sido um sonho.
Mas não tinha sido um sonho. A praia estava coberta de espumas deixadas pelas ondas da tempestade. Eram fileiras e fileiras de espuma que tremiam à menor aragem. Pareciam castelos fantásticos, brancos mas cheios de reflexos de mil cores. O rapaz quis tocar-lhes, mas mal punha neles as suas mãos os castelos trémulos desfaziam-se.
A menina do mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto: Porto Editora, 2012.
Imagem: Copyright - Eugène Boudin (1824-1898) - Scène à la plage
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