"Atravessaram o Mar dos Sargaços e viram peixes voadores.
E viram as grandes baleias que atiram repuxos de água para o céu e viram os grandes vapores que deixam atrás de si colunas de fumo suspensas no ar. E viram os icebergues majestosos e brancos na solidão do oceano. E nadaram ao lado dos veleiros que corriam velozes esticados no vento. E os marinheiros gritavam de espanto quando viam um rapaz agarrado à cauda dum golfinho. Mas eles mergulhavam e desciam ao fundo do mar para não serem pescados. Aí estavam os antigos navios naufragados com os seus cofres carregados de oiro e os seus mastros quebrados cobertos de anémonas e conchas.
Depois de nadarem sessenta dias e sessentas noites chegaram a uma ilha rodeada de corais. O golfinho deu a volta à ilha e por fim parou em frente duma gruta e disse:
– É aqui; entra na gruta e encontrarás a Menina do Mar.
– Adeus, adeus, golfinho. Obrigado, obrigado.
A gruta era toda de coral e o seu chão era de areia branca e fina. Tinha em frente um jardim de anémonas azuis. O rapaz entrou na gruta e espreitou. A menina, o polvo, o caranguejo e o peixe estavam a brincar com conchinhas. Estavam quietos, tristes e calados. De vez em quando a menina suspirava.
– Estou aqui! Cheguei! Sou eu! – gritou o rapaz. (…)
Então a Menina do Mar sentou-se no ombro do rapaz e disse:
– Estou tão feliz, tão feliz, tão feliz! Pensei que nunca mais te ia ver. Sem ti o mar, apesar de todas as suas anémonas, parecia triste e vazio. E eu passava os dias inteiros a suspirar. E não sabia o que havia de fazer. Até que um dia o Rei do Mar deu uma grande festa. Convidou muitas baleias, muitos tubarões e muitos peixes importantes. E mandou-me ir ao palácio para eu dançar na festa. No fim do banquete chegou a altura da minha dança e eu entrei na gruta onde o rei do Mar estava com os seus convidados, sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos-marinhos. Então os búzios começaram a cantar uma cantiga antiquíssima, que foi inventada no princípio do Mundo. (…)
Então o Rei do Mar teve pena da minha tristeza e teve pena de ver uma bailarina que já não sabia dançar. (…)
No dia seguinte de manhã eu voltei ao palácio. E o Rei do Mar sentou-me no seu ombro e subiu comigo à tona das águas. Chamou uma gaivota, deu-lhe o frasco com o filtro de anémonas e mandou-a ir à tua procura. E foi assim que eu consegui que tu voltasses. (…)
– Agora a tua terra é o mar – disse a Menina do Mar.
E foram os cinco através de florestas [A menina do Mar, o rapaz, o polvo, o peixe e o caranguejo], areais e grutas.
No dia seguinte houve uma festa no palácio do Rei. A Menina do Mar dançou toda a noite e as baleias, os tubarões, as tartarugas e todos os peixes diziam:
– Nunca a vimos dançar tão bem.
E o Rei do Mar estava sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos-marinhos e o seu manto de púrpura flutuava nas águas.
A Menina do Mar / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. Fernanda Fragateiro. Porto : Porto Editora, 2012.
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro
Imagem: Copyright – Fernanda Fragateiro
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