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quarta-feira, 4 de maio de 2022

Memória de Audrey Hepburn

"Remember, if you ever need a helping hand, it's at the end of your arm, as you get older, remember you have another hand: The first is to help yourself, the second is to help others".


A beleza é uma inspiração, uma luz para dias novos. A beleza quando servida com humildade e encanto com os outros é a melhor forma de iluminar o real. Audrey Hepburn foi muito disso e para lá da memória fica o seu exemplo e a sua luz. 

Passaram um pouco mais de vinte anos sem a graça e a beleza de uma mulher e de uma atriz que faz parte da memória do cinema e das tardes encantadas quando o cinema era uma celebração e uma iniciação a mundos novos. Lembremo-la pelo seu  sorriso doce, de um tempo em que o cinema era ainda uma entrada artesanal no sonho e na aventura de descobrir. Evocação de fitas que acompanharam várias gerações. 

De Roman HolidayBreakfast at Tiffany'sGuerra e Paz, até My Fair Lady, mas também a generosidade por causas nobres. Audrey Hepburn, quando o tempo ainda parecia domesticado pela doçura do sorriso. Um ícone, por onde a alegria e a a elegância se afirmaram como formas sublimes e sedutoras da beleza.  Fica a sua lembrança, na memória dos dias. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Mahatma Gandhi


Gerações futuras mal poderão acreditar que um homem assim, em carne e osso, tenha alguma vez andado por este Planeta.» (1)

A trinta de Janeiro de 1948, despedia-se deste mundo físico um homem de uma imensa grandeza, que com simplicidade, determinação e beleza soube congregar em si a dimensão única da consciência da Humanidade. Fez da verdade e da justiça a sua causa de vida, enfrentou o Império britânico com a força do espírito, com a sua Satyagraha, onde juntou a sua preocupação com os outros à ideia de não-violência.

Mostrou-nos como as causas são um património de todos, maiorias e minorias e que a injustiça, mesmo de um só homem, é ainda uma injustiça. Com a sua vida exemplificou a procura da identidade que há em cada ser humano e como a paz e a harmonia têm de ser uma ação não só de pessoas, mas também de nações.

Criou um pensamento que assentava em dois princípios: a Satyagraha (a força da verdade e do amor) e o Ahimsa (a não-violência). Todos os movimentos que no século XX lutaram contra a opressão dos impérios coloniais, ou contra a violência ou o racismo inspiraram-se nele. Todos os homens que aspiraram no século XX a um mundo melhor, livre da injustiça social, da guerra e da ditadura individual foram procurar motivação nas suas palavras.

De Martin Luther King a Nelson Mandela muitos compreenderam que a força do seu exemplo e a nobreza da sua causa permitiram fazer evoluir o Homem. Da guerra do Vietname à praça de Tianamen, o seu exemplo deu força à coragem de alguns para se construir uma Humanidade mais fraterna. Este homem, vítima da intolerância, no seu próprio tempo, com as questões relacionadas com a separação da Índia e do Paquistão, após a saída dos Ingleses, guardou para nós o melhor de uma consciência mundial, disponível a todos.

É um privilégio e um reconforto encontrar pessoas que na sua passagem por este planeta procuraram fundar a liberdade contra a opressão, em caminhadas de lucidez, tranquilidade e luta abnegada por um ideal. Raramente encontramos o Homem, a Humanidade nessa individualidade capaz de enfrentar impérios estabelecidos derrotando-os pela demonstração da injustiça.
          
 (1) Albert Einstein, citado de Ghandi, Richard Attenborough
Imagem: Copyright - http://www.finewallpaperss.com

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Memória e cidadania - A memória do Holocausto - Os livros (IV) - exposição temática

  

  

 

  


Os livros dão-nos a memória do que representou em todos os momentos da existência, o Nazismo e a sua ideologia de extermínio a milhões de pessoas. Do trabalho, à vida pública, às relações sociais, à possibilidade de viver em família, aos gestos mais particulares e íntimos de uma pessoa houve repercussões que o gravaram como a mais baixa forma de existência da Humanidade. Deixamos alguns dos possíveis livros que nos dão essa proximidade do que foi o desespero de milhões de pessoas. Alguns deles estão em mostra na Biblioteca na exposição feita para homenagear uma memória e a mais inexplicável história humana.


Memória e cidadania - A memória do Holocausto - Os livros (III)

"Estou sentada em cima da minha mochila, no centro de um vagão cheio, e preciso de te ajudar, meu Deus. (...)
Estou sentada em cima da minha mochila, o vagão trepida, as crianças dormem e os velhos velam,  e eu vou no transporte e penso que tenho de te ajudar, meu Deus. Tu não tens forças para nos socorrer, por isso eu preciso de vir em teu socorro. Porque tu estás reduzido a tão pouco, e não podes valer a todos, então eu preciso de te dar as minhas forças. Precisas de ajuda, meu Deus, porque estás ferido e exangue. Precisas que eu trate de ti, que te vele, que te dê um pouco do calor que guardo em mim, dentro das camisolas de lã. Que eu guarde este calor por ti, dentro de mim.

Eu queria ser o coração pensante dos barracões, meu Deus, porque todos os outros estavam tão ocupados, sempre mais atarefados do que eu. Porque os outros tinham filhos pequenos e os pais a morrerem, e estavam terrivelmente assustados. Mas eu não tinha medo, podia pensar por eles. Podia levar os pensamentos deles até ti, meu Deus, como um correio que não abrisse as cartas para as censurar. Queria ser o coração pensante, quando os outros não tinham tempo para pensar, à procura de comida, agasalho e notícias. E queria ajudar-te a pensar com eles, pensar os pensamentos deles.

Eu ajoelhava em frente ao urzal, meu Deus, o urzal atrás do arame farpado. E tu estavas ali, pobre, atrás do arame farpado. Os raios de sol nas urzes, na água gelada, atrás do arame farpado.
Deixa-me agora ser o coração do vagão, meu Deus. 
Estão demasiado cansados, mal conseguem falar. Mas se eu levar o meu pensamento pela noite fora, toda a viagem de comboio, até ao fim, é como se guardasse um pouco de calor, intacto, por nós todos. Deixa-me guardar o resto do pensamento. Mesmo  a tremer, mesmo a cair de cansaço ainda hei-de conseguir um pouco de força para te amparar. (...)

Eu aceito tudo , meu Deus. Continuo a ajoelhar, e ajoelharei no vagão e no campo, como ajoelhei em frente ao urzal. Se eu não te ajudar, meu Deus, quem te levará até à morada da morte?
Espreito pela frincha, o ar entra, tudo está morto. Montanhas e florestas.
Tenho tudo dentro de mim, mesmo quando é tão difícil.

Partimos de Westerbork há dois dias. Como se a viagem durasse anos de vida. Pode-se envelhecer vidas inteiras num vagão, durante uma noite. Todos nós, mesmo as crianças, somos agora muito velhos. Com mais velhice do que cabe numa vida. Amanhã chegaremos ao campos, e ninguém sabe o que acontecerá. Correm rumores horríveis. mas seja o que for que nos espera, meu Deus, eu aceito. Mesmo na morada da morte te ajudarei.

Olho pela frincha. Lá em cima, a Ursa Maior, clara, nítida, e fria. Que nos acompanha desde a partida. Por que é que as estrelas andam quando eu ando, perguntou-me uma criança em Westerbork, e param quando eu paro?
Uma pequena força dentro de mim. 

As estrelas brilham sobre a neve. Uma claridade branca começa atrás dos montes, o dia nasce do lado para onde o transporte avança. Vejo um caminho, uma casa. Um regato gelado. Luzes ao longe, uma cidade. Uma placa a indicar a direcção. 
Consigo ler a placa: "Leipzig".

E a neve recomeça a cair.
Uma pequena força, meu Deus, dentro de mim.

Pedro Eiras. "Etty Hillesum", in 
Bach / Pedro Eiras. - Reimp. - [Porto] : Assírio & Alvim, 2015. - 157, [2] p. ; 21 cm. - (A phala ; 50).
Imagem - Capa do livro que junta os Diários de Etty Hillesum (1941-43) e que como Anne Frank vivia em Amesterdão; Copyright - persephonebooks

Memória e cidadania - A memória do Holocausto - Os livros (II)


“ (…) um operário civil italiano (Lorenzo) trouxe-me um bocado de pão (…), todos os dias, durante seis meses; ofereceu-me uma camisola sua cheia de remendos; escreveu por mim um postal para Itália e fez-me chegar a resposta. Por tudo isto, não pediu nem aceitou alguma compensação, porque era bom e simples, e não achava que o bem devesse fazer-se para obter compensações. (…)

Creio que devo justamente a Lorenzo o facto de estar vivo hoje; não tanto pela sua ajuda material, quanto por me ter constantemente lembrado com a sua presença, com a sua maneira tão linear e fácil de ser bom, que ainda existia um mundo justo para além do nosso, algo e alguém ainda puro e incontaminado, não corrupto e não selvagem alheio ao ódio e ao medo; algo que mal se pode definir, uma remota possibilidade de bem, pela qual, porém, valia a pena conservar-se.

As personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade está sepultada, ou eles mesmos a sepultaram, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a outrem. Os SS maus e estúpidos, os políticos, os criminosos, os proeminentes grandes e pequenos (…) todos os degraus da insana hierarquia criada pelos Alemães, estão paradoxalmente unidos numa única desolação interior.

Mas Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada, estava fora deste mundo de negação. Graças a Lorenzo, aconteceu-me não esquecer que também eu era um homem”.

Se isto é um homem / Primo Levi ; trad. Simonetta Cabrita Neto. - 15ª ed. - Alfragide : D. Quixote, 2017. - 185, [6] p. ; 24 cm. - Tít. orig. : Se questo è un uomo. - ISBN 978-972-20-5402-7

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lembrança de uma memória - Manuel António Pina

"A beleza é o rosto mais jubiloso da verdade. Não da própria verdade, mas do seu rosto". (1)

As memórias são tantas vezes momentos que os dias, de tão rápidos absorvem, ficando nós a relembrar esses flashes dos instantes, do que foi uma vida, uma respiração. O tempo torna-se reduzido para inscrever no íntimo tantas vozes que tentaram connosco dar aos dias uma cor própria, um sentido vivido de consistência e beleza. Manuel António Pina nasceu a dezoito de novembro de 1943. É uma voz que vale a pena recuperar. Pela poesia, pelas crónicas, que nele eram uma arte de desmontar o essencial dos dias vividos e pela prosa.

Manuel António Pina foi um homem que buscou nas palavras uma tentativa de fazer compreender a nossa natureza efémera. Foi daqueles que vindo das terras do Mondego se fez e se encontrou na cidade do Porto, como forma de desenhar na natureza agreste das pedras, o seu caminho de combustão de sonhos, no veludo das encostas de granito.

Manuel António Pina tinha uma paixão pelo Winnie the Pooh. Olhava para a literatura infantil como a possibilidade de reencontrar o olhar inicial, o que está pronto para olhar o mundo, ainda sem o conhecer. Revelou uma curiosidade para traçar pela poesia as grandes questões filosóficas de sempre, inerentes à natureza humana e, descobriu na solidão a possibilidade de erguer sonhos.

Refletiu sobre a sociedade em que viveu com liberdade, com inteligência e com criatividade. Deu-nos no JN um conjunto de crónicas sobre esse real que se sonha e que não se compreende pela ausência de uma substantiva cidadania. Desse real, em que instituições e media, precariamente percebem o significado do velho ideal grego, "Libertas, Humanitas, Felicitas".

Foi um cronista que ousou utilizar as palavras para discutir "as verdades" que o establishent político gosta de enumerar como os pilares do universo, por onde interesses privados se alimentam demasiadas vezes da destruição mais básica dos valores de dignidade de tantos. Manuel António Pina foi um prosador e com as palavras procurou exercer a liberdade que nos falta, a que tem uma dimensão moral.

E foi um poeta. Um poeta que nos descreveu como nos orientamos com os mitos, como respiramos o real, entre os lugares e as suas sombras, por onde tentamos reconhecer os gestos. Nunca nos recompomos da partida dos poetas, pois o timbre da voz é irrecuperável, mesmo que a memória e as palavras queiram colaborar nessa luta à partida perdida, de guardar o sorriso no templo desse "dragão feroz" (2) que é o próprio tempo.

(1) Entrevista a Manuel antónio Pina, in Jornal i, 18.02.2012
(2) Ana Maria Mautute, Paraíso Inabitado.