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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Dia mundial da música


A um de outubro celebra-se o dia mundial da música e com ele podemos celebrar essa dádiva que nos chega pela audição dos sons e, onde experimentamos as emoções que nos aproximam como seres humanos. Ela dá-nos essa experiência auditiva, que nos maravilha entre o sonho, a alegria, a solidão de cada um e o reencontro com o mais íntimo. A música é pois, talvez a mais bela das linguagens, ao dar-nos entre palavras, uma atmosfera de movimentos sonoros, silêncios que se escrevem em nós e na escrita dos dias.
Neste Dia Mundial da Música podíamos relembrar diferentes figuras, que preenchem a memória coletiva da Humanidade, pelo que fizeram sentir, pelo que permitiram transformar, pelos horizontes que reescreveram. Optamos por um amigo. Um amigo das palavras sonoras, das experiências na imagem, onde buscou as tonalidades expressivas do silêncio, os fios de olhar capazes de reconstruir os sonhos.
Bernardo Sassetti escreveu as palavras abaixo e desenhou estes sons a pensar na Rita. Nós, mesmo no efémero movimento dos dias pensamos nele, muito por essa busca de perfeição, em escutar o silêncio com que construímos os sonhos que nos movem. 

"E há sempre sonhos
sonhos doces, tão mágicos, tão desejáveis
mas tão longe do que somos e temos.

Há sempre outros
sempre esses outros que nos avaliam
que nos fazem corar, sorrir, amar, chorar.

E há sempre nós...
nós bonitos, nós feios,
nós sozinhos, nós amados...

Quem me dera que houvesse
sempre uma imagem de nós nos
sonhos dos outros!"

Em baixo uma pequena mostra da sua arte que ficou em nós: Bernardo Sassetti - Sonho dos outros / Reflexos, in Tumbkutu Sessions #1




terça-feira, 19 de novembro de 2019

José Mário Branco (In Memoriam)

"(...) Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez."

É um dia triste, muito triste. Morreu um homem que deu corpo a uma ideia de felicidade que importava conquistar, nessa estrofe famosa "quero ser feliz, porra!" É um dia triste, muito triste. Morreu a voz de uma continuada e iluminada resistência para algo tão novo e tão antigo como um rosto. É um dia triste, muito triste. Calou-se aquela voz quase doce de nos fazer pensar que vida afinal temos e, que sociedade podemos construir com todos os que nos rodeiam. 

É um dia triste, muito triste. Um homem, um camarada no sentido mais amplo da palavra, um companheiro de route que nos acompanhou em tantas aspirações, em tantos desejos falhados, em tantas insubordinações para um dia mais belo. É um dia triste, muito triste, como quando partiu Lennon ou Jobim, quando se fez ouvir essas palavras com que choramos em avenidas de velas à chuva, o sonho é agora vosso, continuem o caminho.

É um dia triste, muito triste, pois José Mário Branco era o corpo de um tempo que viu verem-se perdidos tesouros antigos, esses que nós declamamos em avenidas floridas de verde, com o azul na alegria apaixonada do visível. Fica o exemplo, a música, a delicadeza, a graça, a resistência e a coerência como um ideal de vida, como uma construção de uma nobreza. Por mais que se procure não existiu neste último meio século tão grande voz que nos dissesse como a vida era a mais profunda forma de abrir um pórtico sagrado. Obrigado, José Mário.  

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Amadeo de Souza Cardoso


Na memória de uma das figuras mais geniais da arte portuguesa do século XX, Amadeo de Souza Cardoso.
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quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Memória de Albert Camus

"Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer.” (1)

Ele foi o melhor homem de França, uma respiração pela síntese mais intensa do que significa construir uma civilização humana. Veio das planícies áridas de África, onde os alíseos sopram ventos agrestes, de um mar recortado de aventuras para iluminar velhos intelectuais de uma Europa perdida em descrença. Integrou no século XX a ideia essencial de Goethe, de que a civilização é antes de tudo o mais um exercício de respeito global, por onde se inserem o divino, a identidade do território, os outros ao nosso lado e a nossa dignidade. 

Inspirou-se em velhos humanistas que construíram um homem pelo seu peso moral. E em tardes cinzentas recordou a Malraux e a Sartre o ideal aristocrático por excelência, a nobreza de espírito como a intemporalidade de uma civilização e o papel deslumbrado dos intelectuais por aparências, “os demasiados ambientes de desonra intelectual”( Stephen Spender, World within a world). Lutou no campo das responsabilidade das ideias, como forma de resguardar uma civilização e demonstrou em palavras e gestos que toda a superficialidade de todos os ismos foram as aparentes fórmulas do relativo, a morte da vontade e o esquecimento do outro. 

Do absurdo da existência, das suas irregulares formas concedeu-nos a sabedoria que reconhece que toda a visão política e ideológica da beleza ou da justiça significam amputar os valores universais dando à luz os sábios da “boa” moral, a “sabedoria” eleita. E em tardes de dias cinzentos explicou a Sartre que a essência de mentes politizadas apenas conduz à abstração sem rosto humano. Indicou-lhe o essencial do papel das ideias, a verdade como forma de construir sociedades de liberdades de sentido democrático. 

O autor do Estrangeiro retirou-se com a ideia essencial de que são as mentiras contadas da realidade que destroem esse caminho de liberdade e verdade. Se Malraux encolhia os ombros, Sartre não o percebia, nesse desprezo pelas necessidades históricas, pelo combate contra a politização do espírito. Voltou-se já na ombreira da porta e sorriu-lhes – a vossa desistência trará os bárbaros perfeitos, os que julgando-se livres, serão os profetas da escravatura, esperança sem verdade. 

O homem que soube que na sedução do poder ou na infidelidade aos valores imortais residia um novo niilismo que apenas traria a morte da nobreza de espírito, ou a incapacidade de encontrar essa decência maior de que falava Sócrates, a coragem da procura. E em momentos de fraternidade universal, quando Sartre lhe perguntou porque não defendera a Argélia, ele respondeu-lhe, – gosto mais da minha mãe do que de revoluções. Chama-se Albert Camus e soube sempre que no curso do rosto existem mais verdades que em palácios de aparências formais.

(1) - Do Prémio Nobel, recebido em 1957.