quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Livros do mês (V)


Há muitos e muitos anos, em 1862, nasceu numa ilha da Dinamarca um menino a quem puseram o nome de Jan Henrik Andresen. A Dinamarca é um país do norte da Europa, com Invernos escuros e frios e florestas de pinheiros e bétulas. Jan era um rapaz forte e corajoso, que sonhava ser capitão de um navio e viajar para longe. Queria conhecer lugares mais quentes onde o sol brilhasse e, um dia, decidiu partir. 

Assim começa, A minha Primeira Sophia de Fernando Pinto do Amaral, um livro maravilhoso que consegue ser uma biografia de Sophia integrando a sua vida com excertos de algumas das suas obras para o público infantil e juvenil. 

Livro que consegue transmitir de uma forma encantadora aquela que foi a vida de Sophia, o seu próprio imaginário feito de ideais preenchidos pelo encanto pela natureza, como o mar e as florestas. Livro que constrói os lugares de Sophia, onde ainda descortinamos o significado da palavra saudade, o valor da poesia na vida diária e o valor da nobreza, como um sentido para a própria vida e para a relação que devemos ter para com os outros e o mundo. 

Livro que nos fala da memória, dessa lição dada pelo professor Cláudio no Rapaz de Bronze, e de como histórias encantadoras e belas alimentam a nossa fantasia e como nos fazem estar atentos ao mundo, à sua beleza e também às formas injustas que observamos tantas vezes.  Livro que abre uma leitura plástica sobre um universo feito de animais, pessoas, flores, "brancos pavores", na procura da beleza das coisas.

Livro que Fernanda Fragateiro soube ilustrar de um modo também encantado e que só por si é uma outra história que acompanha a narrativa de um livro feito de beleza e que é mais do que um livro. É um objeto artístico que se pode admirar para compreender aquilo que foi uma vida de enigmas e de palavras e ações acima das palavras para retirar do mundo o caos e compreender a manhã inicial das coisas.


A minha primeira Sophia / Fernando Pinto do Amaral ; il. Fernanda Fragateiro ; rev. Clara Boléo. - 2º ed. - Alfragide : D. Quixote, 2000. - 44, [1] p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-972-20-3854-6D. Quixote, 2010. - 44, [1] p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-972-20-3854-6

terça-feira, 26 de novembro de 2019

As palavras de António Gedeão para o seu amigo Rómulo de Carvalho

Eu queria que o amor estivesse realmente no
[ coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no
[coração.
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos."
Mas o meu coração é como o dos compêndios.
Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois
[ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.
Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios
[apertados.
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz dos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e que ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.
Então, meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?

António Gedeão, "Poema do Coração", in Poemas Escolhidos

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Rómulo nas suas palavras...


(Rómulo de Carvalho e o seu amigo António Gedeão, foram duas pessoas que juntaram em si formas de olhar o mundo e os outros de uma forma única e capaz de nos fazer melhor compreender o mistério da vida. Nos dois vimos a divulgação científica, o artigo, o livro, o poema, o sonho de vencer o preconceito e a ignorância pela luta diária do pensamento. Que sentimentos e angústias conheceram Rómulo e Gedeão nas suas vidas de cientista e poeta? Memórias dá algumas respostas. É desse livro que conversa connosco e que servirá de base a algumas atividades que deixamos um excerto sobre essa figura muito rara e de grande inspiração.)

Eu digo "pobre de mim" como diria pobre do pobre que está sentado à soleira da porta a apanhar sol e a coçar as costas. Mas ele, o pobre,ainda é feliz porque ao vê-lo desejo ajudá-lo, e eu era um ser indefeso que ninguém pensava em ajudar. Nunca tive vocação nem jeito para viver, inclinação elementar que qualquer ser, mesmo sem ser humano, possui por natureza. Tão incapaz, tão estranho, tão desajustado que ainda hoje, aos oitenta e um anos, me sinto tão surpreendido de viver como aquele frágil menino de um ano a quem a irmã mais velha ampara, no retrato, para que não caia do alto da coluna de madeira em que o poisaram.

Ele tem a cabecinha um pouco inclinada sobre o lado direito como quem pede auxílio, e eu sempre assim a mantive, mas por dentro, dissimulada numa cara comprida e talvez severa, implorando o mesmo auxílio. Sou um pobre ser necessitado de carinho, à espera de um afago que lhe cerre os olhos interiores com deleite como os gatos quando se deitam de barriga para cima. Preciso de amor constante, o amor que se exprime em cada gesto e em cada olhar do quotidiano, mesmo sem contactos, sem palavras, sem premeditações, espontâneo, natural. Amor é um termo ambíguo que se presta a ridicularizar quem o pronuncia. Mas este de que falo não é o que nos faz supor de olhos brancos, em alvo. O amor de que falo é o que se opõe ao ódio, à violência, à dissimulação, ao orgulho, à prepotência, a todas essas "virtudes" que adornam os humanos com os loiros dos triunfos.

Por não possuir tais "virtudes" fui sempre encarado com uma ponta de desconfiança pelos meus companheiros de existência porque naturalmente sentiam a minha impenetrabilidade às suas manobras, manobras correntes, quase inocentes, atitudes do dia-a-dia, de momento a momento, só detectáveis por um escrúpulo demasiado como sempre foi o meu. Em jovem já guardava da humanidade o mesmo sentimento que conservo, a mesma incompatibilidade com as normas correntes de conduta social  e privada, e a passagem dos anos apenas veio dar mais solidez e convicção às suspeitas do instinto.  Aliás, se me alheasse dessas normas por um instante bastaria pegar em qualquer jornal do dia para tudo se avivar. Felizmente a vida proporcionou-me encontros com algumas excpções ao tipo comum do ser humano, e acolhi-as com comoção.

Apesar destes rigores falo bem a toda a gente, uso boas palavras, não me exalto, e posso-me gabar que nunca, na vida inteira, me zanguei com alguém, nunca cortei relações com alguém, nunca virei a cara a alguém. É que, meus queridos tetranetos, eu não detesto os outros nem fujo ao seu convívio se os vejo aproximarem-se de mim. Os meus sentimentos para com os outros não são de repulsa, mas (imaginem!) de pena, de piedade. tenho pena de ver as pessoas presas aos seus preconceitos, às suas ansiedades, aos imperativos da sua hereditariedade, ao peso das tradições, aos condicionamentos do ambiente físico  e humano em que nasceram ou vivem. Tenho pena de todos, e também tenho pena de a ter, porque as pessoas preferem ser odiadas a suscitarem pena. No fundo somos todos irresponsáveis, tanto eles pelo que fazem como eu por reparar nisso.

Rómulo de Carvalho. (2010). Memórias. Lisboa: fundação Calouste Gulbenkian


Dia nacional da cultura científica

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Livros do mês (IV)


"Quando eu era pequena, passava às vezes pela praia um velho louco e vagabundo a quem chamavam o Búzio. O Búzio era como um monumento manuelino: tudo nele lembrava coisas marítimas. A sua barba branca e ondulada era igual a uma onda de espuma. As grossas veias azuis das suas pernas eram iguais a cabos de navio. O seu corpo parecia um mastro e o seu andar era baloiçado como o andar dum marinheiro ou dum barco. Os seus olhos, como o próprio mar, ora eram azuis, ora cinzentos, ora verdes, e às vezes mesmo os vi roxos. E trazia sempre na mão direita duas conchas. (...)

Mas o Búzio aparecia sozinho, não se sabia em que dia da semana, era alto e direito, lembrava o mar e os pinheiros, não tinha nenhuma ferida e não fazia pena. Ter pena dele seria como ter pena de um plátano ou de um rio, ou do vento. Nele parecia abolida a barreira que separa o homem da natureza. O Búzio não possuía nada, como uma árvore não possui nada. Vivia com a terra toda que era ele próprio. A terra era sua mãe e sua mulher, sua casa e sua companhia, sua cama, seu alimento, seu destino e sua vida. Os seus pés descalços pareciam escutar o chão que pisavam. E foi assim que o vi aparecer naquela tarde em que eu brincava sozinha no jardim. (...)

No alto da duna o Búzio estava com a tarde. O sol pousava nas suas mãos, o sol pousava na sua cara e nos seus ombros. Ficou algum tempo calado, depois devagar começou a falar. Eu entendi que ele falava com o mar, pois o olhava de frente e estendia para ele as suas mãos abertas, com as palmas em concha viradas para cima. Era um longo discurso claro, irracional e nebuloso que parecia, com a luz, recortar e desenhar todas as coisas. Não posso repetir as suas palavras: não as decorei e isto passou-se há muitos anos. E também não entendi inteiramente o que ele dizia. E algumas palavras mesmo não as ouvi, porque o vento rápido lhas arrancava da boca.

Mas lembro-me que eram palavras moduladas como um canto, palavras quase visíveis que ocupavam os espaços do ar com a sua forma, a sua densidade e o seu peso. Palavras que chamam pelas coisas, que eram o nome das coisas. Palavras brilhantes como as escamas de um peixe, palavras grandes e desertas como praias. E as suas palavras reuniam os restos dispersos da alegria da terra. Ele os invocava, os mostrava, os nomeava: vento, frescura das águas, oiro do sol, silêncio e brilho das estrelas."

Sophia, "Homero" in, Contos exemplares / Sophia de Mello Breyner Andresen ; il. João Catarino. - 2ª ed. - Porto : Porto Editora, 2014. - 161, [2] p. : il. ; 21 cm. - ISBN 978-972-0-72627-8

terça-feira, 19 de novembro de 2019

José Mário Branco (In Memoriam)

"(...) Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez."

É um dia triste, muito triste. Morreu um homem que deu corpo a uma ideia de felicidade que importava conquistar, nessa estrofe famosa "quero ser feliz, porra!" É um dia triste, muito triste. Morreu a voz de uma continuada e iluminada resistência para algo tão novo e tão antigo como um rosto. É um dia triste, muito triste. Calou-se aquela voz quase doce de nos fazer pensar que vida afinal temos e, que sociedade podemos construir com todos os que nos rodeiam. 

É um dia triste, muito triste. Um homem, um camarada no sentido mais amplo da palavra, um companheiro de route que nos acompanhou em tantas aspirações, em tantos desejos falhados, em tantas insubordinações para um dia mais belo. É um dia triste, muito triste, como quando partiu Lennon ou Jobim, quando se fez ouvir essas palavras com que choramos em avenidas de velas à chuva, o sonho é agora vosso, continuem o caminho.

É um dia triste, muito triste, pois José Mário Branco era o corpo de um tempo que viu verem-se perdidos tesouros antigos, esses que nós declamamos em avenidas floridas de verde, com o azul na alegria apaixonada do visível. Fica o exemplo, a música, a delicadeza, a graça, a resistência e a coerência como um ideal de vida, como uma construção de uma nobreza. Por mais que se procure não existiu neste último meio século tão grande voz que nos dissesse como a vida era a mais profunda forma de abrir um pórtico sagrado. Obrigado, José Mário.  

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lembrança de uma memória - Manuel António Pina

"A beleza é o rosto mais jubiloso da verdade. Não da própria verdade, mas do seu rosto". (1)

As memórias são tantas vezes momentos que os dias, de tão rápidos absorvem, ficando nós a relembrar esses flashes dos instantes, do que foi uma vida, uma respiração. O tempo torna-se reduzido para inscrever no íntimo tantas vozes que tentaram connosco dar aos dias uma cor própria, um sentido vivido de consistência e beleza. Manuel António Pina nasceu a dezoito de novembro de 1943. É uma voz que vale a pena recuperar. Pela poesia, pelas crónicas, que nele eram uma arte de desmontar o essencial dos dias vividos e pela prosa.

Manuel António Pina foi um homem que buscou nas palavras uma tentativa de fazer compreender a nossa natureza efémera. Foi daqueles que vindo das terras do Mondego se fez e se encontrou na cidade do Porto, como forma de desenhar na natureza agreste das pedras, o seu caminho de combustão de sonhos, no veludo das encostas de granito.

Manuel António Pina tinha uma paixão pelo Winnie the Pooh. Olhava para a literatura infantil como a possibilidade de reencontrar o olhar inicial, o que está pronto para olhar o mundo, ainda sem o conhecer. Revelou uma curiosidade para traçar pela poesia as grandes questões filosóficas de sempre, inerentes à natureza humana e, descobriu na solidão a possibilidade de erguer sonhos.

Refletiu sobre a sociedade em que viveu com liberdade, com inteligência e com criatividade. Deu-nos no JN um conjunto de crónicas sobre esse real que se sonha e que não se compreende pela ausência de uma substantiva cidadania. Desse real, em que instituições e media, precariamente percebem o significado do velho ideal grego, "Libertas, Humanitas, Felicitas".

Foi um cronista que ousou utilizar as palavras para discutir "as verdades" que o establishent político gosta de enumerar como os pilares do universo, por onde interesses privados se alimentam demasiadas vezes da destruição mais básica dos valores de dignidade de tantos. Manuel António Pina foi um prosador e com as palavras procurou exercer a liberdade que nos falta, a que tem uma dimensão moral.

E foi um poeta. Um poeta que nos descreveu como nos orientamos com os mitos, como respiramos o real, entre os lugares e as suas sombras, por onde tentamos reconhecer os gestos. Nunca nos recompomos da partida dos poetas, pois o timbre da voz é irrecuperável, mesmo que a memória e as palavras queiram colaborar nessa luta à partida perdida, de guardar o sorriso no templo desse "dragão feroz" (2) que é o próprio tempo.

(1) Entrevista a Manuel antónio Pina, in Jornal i, 18.02.2012
(2) Ana Maria Mautute, Paraíso Inabitado.

Dia nacional do não fumador

O tabaco é um dos hábitos que socialmente identifica grupos e pessoas na sociedade contemporânea, pois é algo muito notório no espaço de convivência das pessoas. É um hábito com muitos utilizadores. A forma mais usual do seu consumo é através do designado cigarro. 

O tabaco é originário da América e tem como um dos seus principais componentes a nicotina. Pensa-se que a civilização Maia já conheceria esta planta, pois encontraram-se representações em objetos de cerâmica. Também os Astecas e outros povos da América pré-colombiana o conheceriam misturando-o com folhas de diversas plantas como o milho.

O consumo de tabaco está associado a um conjunto de doenças de uma gravidade assinalável, nomeadamente as doenças oncológicas. Doenças que podem retirar qualidade de vida, mas também encurtar de modo significativo a vida das pessoas. Doenças que têm um peso social elevado, pois influenciam muito negativamente os gastos a desenvolver na sua reabilitação e no afastamento da vida profissional que conduzem. 

É pois importante sensibilizar para os efeitos negativos na saúde do consumo de tabaco. Deixamos alguns recursos para o conhecimento /exploração da temática:

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Amadeo de Souza Cardoso


Na memória de uma das figuras mais geniais da arte portuguesa do século XX, Amadeo de Souza Cardoso.
...

Uma visão do conto «A Aia», de Eça de Queirós


O conto «A Aia», da autoria de Eça de Queirós, é uma narrativa que me fez refletir sobre as escolhas e as decisões que, por vezes, temos de tomar em situações difíceis da nossa vida.
Na minha perspetiva, este conto fez-me pensar sobre a forma como a personagem Aia agiu e se comportou desde o início ao fim da história. Por um lado, mostrou ser uma personagem rica e dotada de densidade psicológica; por outro lado, o facto de ser uma escrava, pobre, mas fiel ao reino, ainda me cativou mais. O seu instinto e o espírito de bravura permitiram aquele desfecho final.
Embora a Aia tenha tido um comportamento determinante para o desfecho da ação, ao entregar o seu filho para os braços da morte, foi, a meu ver, um gesto “cruel e frio”. No entanto, é de salientar que mulher acreditava na vida para além da morte e tinha a esperança que o seu bebé pudesse ser mais feliz assim do que se estivesse vivo. Foi com base nessa crença que esta mulher fez o que fez.
Mesmo podendo escolher um dos maiores tesouros do reino por ter tomado essa atitude nobre, a Aia decidiu matar-se e ir ao encontro de seu filho e cuidar dele como sempre o fez. Maravilhoso este gesto de amor eterno!
Concluindo, este conto mostra-nos que, apesar da sua má decisão em entregar o filho à morte, a Aia sempre amou o seu filho e o seu ato “frio” foi cometido em prol de um bem-maior, salvar o seu reino, salvar a pátria.

Edite Rolo, 9.ºMC

A aia e outros contos / Eça de Queirós : il. Fátima Ramos. - Porto : Porto Editora, 2015. - 77, [3] p.: il. ; 20 cm. - (Educação literária). - Metas curriculares, leitura recomendada 9.º ano. - A presente ed. de "A Aia" segue a 3.ª ed. de Contos, compil. em 1913. º 9.º ano de escolaridade. - ISBN 978-972-0-72667-4

Livros do mês (IV)


"Era uma vez uma casa muito arrumada onde morava um rapaz muito desarrumado. E o rapaz tinha a impressão de que não era feito para morar naquela casa. Ali os relógios estavam sempre certos mas ele andava sempre atrasado. (...)

E à noite abria a janela do seu quarto, respirava o vento que vinha de longe, olhava as estrelas e pensava na liberdade. Já não era um rapaz pequeno mas ainda não era um rapaz crescido. (...) À volta da casa havia um grande jardim. E enquanto Ruy era pequeno o jardim parecia-lhe enorme com as suas tílias profundas, as suas magnólias de folhas brilhantes e as suas palmeiras despenteadas.

Mas com o tempo o jardim foi diminuindo. Era como se o muro se fosse apertando lentamente como um laço. E tudo isto parecia irremediável. (...) Era o fim dum dia de Primavera. Ruy sentias-se ao mesmo tempo feliz e infeliz. A leveza do ar, a cor vermelha do poente, o brilho e a frescura das árvores, o perfume das flores, a doçura quebrada da kluz pareciam prometer-lhe uma felicidade maravilhosa. Mas ele não sabia nem como nem quando nem onde a poderia agarrar. (...)

Fontes corriam em cascata, o musgo cobria as pedras enormes, um curto vento agreste surgia entre as árvores. Ruy contemplava o vale trincando uma folha amarga de loureiro.
   - Gela - disse ele chamando a rapariga do arame.
   - Diz - perguntou Gela.
   - É aqui que vocês moram?
   - Gela olhou-o de frente.
   - Nós não moramos aqui nem em nenhum outro lugar - disse ela. - Nós não moramos, nós vamos".

(São ainda algumas das palavras que Sophia deixou e que o seu neto conclui numa história, mais uma vez desenhadas sobre a capacidade que o olhar, o ver tem sobre a organização do quotidiano. Com ilustrações de Danuta Wojciechowska é um livro de grande beleza sobre o universo do mistério e do sonho que sempre procuramos aceder todos, de diferentes modos.)

Os ciganos / Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Sousa Tavares : il. Danuta Wojciechowska. - 1ª ed., reimp. - Porto: Porto Editora, 2019. - 55, [1] p. : il. ; 23 cm. - ISBN 978-972-072624-7

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Artes visuais, pictóricas e fílmicas

"Os ciprestes nas proporções são tão bonitos como um obelisco egípcio." (Vincent Van Gogh, Carta a Theo, 1891).

A arte procura compor os materiais capazes de formar uma ideia daquilo que o homem, como ser é em cada tempo; procura representar por diferentes modos a esperança e um sonho altruísta. Sonho por estes passos dados, incertos à procura de uma identidade, de um compromisso com um espaço e com um tempo. A arte é no fundo o melhor que o homem cria, pois representa o seu sonho mais íntimo por algo que deseja, que ama, que procura edificar, como um deus de instantes.

A arte no seu sentido geral pode ser dividida em diferentes categorias. Importa-nos aqui sobretudo as visuais e as pictóricas. Isto é, a pintura, a escultura, a fotografia e o cinema. Elas têm si os elementos que permitem estudar qualquer tempo. E é como forma de expressão que nos interessa o seu aprofundamento, que nos importa vê-las co mo um recurso educativo.

A pintura e a escultura marcaram todo o quadro mental que são as nossas representações culturais. A definição do belo, a sua relação com o que é bom, com o desejo de um ideal é ainda uma forma de pensar os valores e os modos de viver em sociedade. Ler a arte é ter conhecimento da evolução da história humana e dos seus valores culturais.

O cinema é um das ferramentas mais interessantes para conhecer a memória, ou os fragmentos dela. Ao convocar imagem, literatura, música no sentido de apresentar uma narrativa que persegue diferentes objetivos, o cinema auxilia-nos a conhecer universos que não foram vividos por nós. O cinema dá-nos fontes de entretenimento, apresenta-nos contextos históricos, recria universos fantásticos e procura discutir princípios e formas de olhar o Mundo. O cinema dá-nos de um modo exuberante todas as possíveis formas de construir um real.

O cinema possui uma linguagem diferente de outras linguagens narrativas, pois dá através da imagem bidimensional uma leitura que procura aproximar-se das dimensões do espaço físico, onde habitamos. Na verdade o cinema sugere-nos pela sua capacidade de reproduzir som e movimento uma quase identificação com uma realidade, ainda que seja uma leitura ou uma impressão daquela. 

A fotografia é outra arte visual que regista instantes. Vivemos numa sociedade que olha para as imagens e considera que elas são a realidade. As imagens que inundam o real e as pessoas parecem querer dizer que todos participam desse movimento, embora tal seja uma ilusão. A fotografia é sem dúvida um recurso para reconstruir a memória. "Ao Norte" chama-lhe um lugar do real, o que nos faz vê-la como são instantes de um possível. 

É neste contexto que a Biblioteca irá destacar em alguns textos / imagens formas destas artes, pois elas são testemunhas de um tempo e de um espaço que em muitos sentidos ainda nos marcam como civilização. No Facebook ficará o registo de um Álbum que procura alcançar vários objetivos. A saber, dar a conhecer algumas das formas artísticas que fazem parte de um património coletivo; promover a participação de quem se sentir interessado e sugerir instantes de emoção. 

A arte e as suas formas são um recurso para se falar desses instantes do real, do belo e da sua representação, em diferentes sociedades. No blogue, a partir de janeiro daremos destaque mensalmente a um filme, pois estas formas de expressão permitem de uma forma diversa incentivar a curiosidade e levar a compreender processos e geografias culturais, formas impressivas de olhar o mundo.

Imagem: Vincent Van Gogh, Amendoeiras em flor, 1890, Museu Van Gogh, Amesterdão (alinhamento e recorte)

Comemorar o S. Martinho


Chegou o esperado dia de S. Martinho!
Enquanto aguardávamos que chegassem os nosso convidados, fizemos alguns jogos no polivalente.
Durante a semana fomos preparando a festa, elaborando com material reciclado, os saquinhos para colocar as castanhas. 
As crianças da Escola de Pinhote chegaram e trouxeram-nos uma agradável surpresa. O pré-escolar tinha preparado uma encenação da história da Carochinha, que apreciamos muito.

E o casamento aconteceu… 
Depois da primeira apresentação foi a vez dos voluntários recontarem a história. 
E para grande contentamento de todos, as professoras de Pinhote, deram também azo à sua veia artística e representaram a terceira versão da história, com muito sucesso. 
No final, foram distribuídos biscoitos, que foram elaborados pelos nossos convidados, tostinhas com doce e… castanhas com sumo!!
Aproveitamos para conviver, rever antigos alunos, brincar com os amigos e fazer o Magusto!!
À tarde, o S. Martinho presenteou-nos com alguns raios de sol e tivemos tempo de ouvir a sua lenda e de fazer a fogueira, como manda a tradição. 
Mas que grande alegria!!!

Por fim, ainda houve tempo para “ensarranhar” as caras de alguns!

CNL - Livros para as provas de escola

Em colaboração com o grupo de Português decidiu-se escolher para as provas do Concurso Nacional de leitura, obras da autoria de Sophia de Mello Breyner Andresen. 
Assim para os diferentes ciclos, as escolhas são as seguintes:
  • 1.º Ciclo - A menina do Mar;
  • 2.º Ciclo - A Árvore;
  • 3.º Ciclo - A Saga.
Na realização das provas irá ser tentado um questionário feito por via digital, sobre o qual se darão informações a curto prazo.



Concurso nacional de leitura


A edição de 2019/2020 do Concurso nacional de leitura já se iniciou. Na 1ª fase (realizada na escola) irão existir três provas, todas para o ensino básico (1.º, 2.º e 3.ºs Ciclos). As provas serão realizadas entre o final da 1ª e 2ª semanas de Janeiro, tendo assim os alunos a interrupção de Natal para ler os livros que serão objeto da prova. Convidamos os alunos a inscreverem-se junto do professor de Português, ou na Biblioteca. Aos interessados em conhecer os detalhes da participação no concurso nacional de leitura, deixamos o Regulamento.

Newsletter - novembro

Problema do mês - novembro

Problema do mês - novembro

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

No dia de S. Martinho


(...) Vinde, porque é de mosto
O sorriso dos deuses e dos povos
Quando a verdade lhes deslumbra o rosto.

Houve Olimpos onde houve mar e montes.
Onde a flor da amargura deu perfume.
Onde a concha da mão tirou das fontes
Uma frescura que sabia a lume.

Vinde, amados senhores da juventude!
Tendes aqui o louro da virtude,
A Oliveira da paz e o lírio agreste...

E carvalhos, e velhos castanheiros,
A cuja sombra um dormitar celeste
Pode tornar os sonhos verdadeiros.

Miguel Torga, «Libertação»

(No dia de São Martinho, a evocação de um imaginário que nos transporta pelo poema  a um território que Miguel Torga chamou de Reino do Maravilhoso. Reino de vales desenhados a sol e a perfume de terra, entre as pedras e o rio Douro que serpenteia no seu caminho para a foz. Reino de castanheiros que desenham encostas de verde, sombras e veludos de castanhas em ouriços despertados pelos dias.)


sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Sarau solidário - Olhares sobre os direitos das crianças

A CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Esposende) organiza no dia treze de novembro um sarau solidário que se destina a colaborar com um Centro de Nutrição que apoia crianças desfavorecidasno Haiti. O agrupamento António Rodrigues Sampaio e as suas bibliotecas escolares associam-se a este evento.

Este evento terá lugar no dia 13 de novembro, às 21.00h, no Auditório Municipal de Esposende e contará contará com a participação de alunos do 1.º, 2.º e 3.º ciclos do nosso Agrupamento. A participação dos alunos será feita através da leitura, da poesia e da dança, onde darão a sua voz e expressão à temática escolhida, “Olhares sobre os Direitos da Criança“. 

A aquisição de bilhetes, cujo custo é de cinco euros deve ser feito previamente e a mesma pode ser feita através das bibliotecas escolares. O Agrupamento António Correia de Oliveira e a Escola Secundária Henrique Medina participarão igualmente neste evento.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Memória de Albert Camus

"Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer.” (1)

Ele foi o melhor homem de França, uma respiração pela síntese mais intensa do que significa construir uma civilização humana. Veio das planícies áridas de África, onde os alíseos sopram ventos agrestes, de um mar recortado de aventuras para iluminar velhos intelectuais de uma Europa perdida em descrença. Integrou no século XX a ideia essencial de Goethe, de que a civilização é antes de tudo o mais um exercício de respeito global, por onde se inserem o divino, a identidade do território, os outros ao nosso lado e a nossa dignidade. 

Inspirou-se em velhos humanistas que construíram um homem pelo seu peso moral. E em tardes cinzentas recordou a Malraux e a Sartre o ideal aristocrático por excelência, a nobreza de espírito como a intemporalidade de uma civilização e o papel deslumbrado dos intelectuais por aparências, “os demasiados ambientes de desonra intelectual”( Stephen Spender, World within a world). Lutou no campo das responsabilidade das ideias, como forma de resguardar uma civilização e demonstrou em palavras e gestos que toda a superficialidade de todos os ismos foram as aparentes fórmulas do relativo, a morte da vontade e o esquecimento do outro. 

Do absurdo da existência, das suas irregulares formas concedeu-nos a sabedoria que reconhece que toda a visão política e ideológica da beleza ou da justiça significam amputar os valores universais dando à luz os sábios da “boa” moral, a “sabedoria” eleita. E em tardes de dias cinzentos explicou a Sartre que a essência de mentes politizadas apenas conduz à abstração sem rosto humano. Indicou-lhe o essencial do papel das ideias, a verdade como forma de construir sociedades de liberdades de sentido democrático. 

O autor do Estrangeiro retirou-se com a ideia essencial de que são as mentiras contadas da realidade que destroem esse caminho de liberdade e verdade. Se Malraux encolhia os ombros, Sartre não o percebia, nesse desprezo pelas necessidades históricas, pelo combate contra a politização do espírito. Voltou-se já na ombreira da porta e sorriu-lhes – a vossa desistência trará os bárbaros perfeitos, os que julgando-se livres, serão os profetas da escravatura, esperança sem verdade. 

O homem que soube que na sedução do poder ou na infidelidade aos valores imortais residia um novo niilismo que apenas traria a morte da nobreza de espírito, ou a incapacidade de encontrar essa decência maior de que falava Sócrates, a coragem da procura. E em momentos de fraternidade universal, quando Sartre lhe perguntou porque não defendera a Argélia, ele respondeu-lhe, – gosto mais da minha mãe do que de revoluções. Chama-se Albert Camus e soube sempre que no curso do rosto existem mais verdades que em palácios de aparências formais.

(1) - Do Prémio Nobel, recebido em 1957.