segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lembrança de uma memória - Manuel António Pina

"A beleza é o rosto mais jubiloso da verdade. Não da própria verdade, mas do seu rosto". (1)

As memórias são tantas vezes momentos que os dias, de tão rápidos absorvem, ficando nós a relembrar esses flashes dos instantes, do que foi uma vida, uma respiração. O tempo torna-se reduzido para inscrever no íntimo tantas vozes que tentaram connosco dar aos dias uma cor própria, um sentido vivido de consistência e beleza. Manuel António Pina nasceu a dezoito de novembro de 1943. É uma voz que vale a pena recuperar. Pela poesia, pelas crónicas, que nele eram uma arte de desmontar o essencial dos dias vividos e pela prosa.

Manuel António Pina foi um homem que buscou nas palavras uma tentativa de fazer compreender a nossa natureza efémera. Foi daqueles que vindo das terras do Mondego se fez e se encontrou na cidade do Porto, como forma de desenhar na natureza agreste das pedras, o seu caminho de combustão de sonhos, no veludo das encostas de granito.

Manuel António Pina tinha uma paixão pelo Winnie the Pooh. Olhava para a literatura infantil como a possibilidade de reencontrar o olhar inicial, o que está pronto para olhar o mundo, ainda sem o conhecer. Revelou uma curiosidade para traçar pela poesia as grandes questões filosóficas de sempre, inerentes à natureza humana e, descobriu na solidão a possibilidade de erguer sonhos.

Refletiu sobre a sociedade em que viveu com liberdade, com inteligência e com criatividade. Deu-nos no JN um conjunto de crónicas sobre esse real que se sonha e que não se compreende pela ausência de uma substantiva cidadania. Desse real, em que instituições e media, precariamente percebem o significado do velho ideal grego, "Libertas, Humanitas, Felicitas".

Foi um cronista que ousou utilizar as palavras para discutir "as verdades" que o establishent político gosta de enumerar como os pilares do universo, por onde interesses privados se alimentam demasiadas vezes da destruição mais básica dos valores de dignidade de tantos. Manuel António Pina foi um prosador e com as palavras procurou exercer a liberdade que nos falta, a que tem uma dimensão moral.

E foi um poeta. Um poeta que nos descreveu como nos orientamos com os mitos, como respiramos o real, entre os lugares e as suas sombras, por onde tentamos reconhecer os gestos. Nunca nos recompomos da partida dos poetas, pois o timbre da voz é irrecuperável, mesmo que a memória e as palavras queiram colaborar nessa luta à partida perdida, de guardar o sorriso no templo desse "dragão feroz" (2) que é o próprio tempo.

(1) Entrevista a Manuel antónio Pina, in Jornal i, 18.02.2012
(2) Ana Maria Mautute, Paraíso Inabitado.

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