"(...) Tesouros
infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o
meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda
não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia
na viagem para estar aqui de vez."
É um dia triste, muito triste. Morreu um homem que deu corpo a uma ideia de felicidade que importava conquistar, nessa estrofe famosa "quero ser feliz, porra!" É um dia triste, muito triste. Morreu a voz de uma continuada e iluminada resistência para algo tão novo e tão antigo como um rosto. É um dia triste, muito triste. Calou-se aquela voz quase doce de nos fazer pensar que vida afinal temos e, que sociedade podemos construir com todos os que nos rodeiam.
É um dia triste, muito triste. Um homem, um camarada no sentido mais amplo da palavra, um companheiro de route que nos acompanhou em tantas aspirações, em tantos desejos falhados, em tantas insubordinações para um dia mais belo. É um dia triste, muito triste, como quando partiu Lennon ou Jobim, quando se fez ouvir essas palavras com que choramos em avenidas de velas à chuva, o sonho é agora vosso, continuem o caminho.
É um dia triste, muito triste, pois José Mário Branco era o corpo de um tempo que viu verem-se perdidos tesouros antigos, esses que nós declamamos em avenidas floridas de verde, com o azul na alegria apaixonada do visível. Fica o exemplo, a música, a delicadeza, a graça, a resistência e a coerência como um ideal de vida, como uma construção de uma nobreza. Por mais que se procure não existiu neste último meio século tão grande voz que nos dissesse como a vida era a mais profunda forma de abrir um pórtico sagrado. Obrigado, José Mário.
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