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quinta-feira, 29 de abril de 2021

Livros do mês - 2.º e 3º Ciclos - abril

 

"Os barcos que conheceram o sabor da aventura apaixonam-se pelos mares de tinta e navegam de gosto no papel.

Mundo do fim do mundo é um livro que nos remete para a memória da literatura, a esse clássico Moby Dick e igualmente para as atmosferas da defesa ambiental. É ainda um livro sobre uma narrativa de viagem, a que realiza um jovem num baleeiro nos confins do continente americano, onde o mundo parece terminar. Esse jovem cresce e mais tarde, como jornalista retornará ao sul austral, como elemento de uma movimento ecologista. Entre a viagem às zonas mais a sul do Chile ficamos a conhecer partes deste território, ao mesmo tempo tempo que conhecemos os interesses internacionais que destroem o mar e o seu património natural.

É um livro para realizar uma viagem feita de diversas narrativas, onde o sonho mais simples é do termos acesso a "mares abertos em que todas as espécies possam viver e multiplicar-se em paz e em harmonia com as necessidades humanas". Mundo do fim do mundo é um livro para descobrir os oceanos e a importância de os defendermos num espaço que é de memória, de segredo e revelação do próprio contexto do planeta e da humanidade. 

Mundo do fim do mundo / Luís Sepúlveda. Porto: Porto Editora. 2016.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

O escritor do mês - Luís Sepúlveda

 


Às vezes, os excessos de submissão diante do poderoso ativam os mecanismos de resistência que dignificam a pessoa humana” - Luís Sepúlveda, Últimas Notícias do Sul. 

Luís Sepúlveda é um dos grandes escritores da América Latina e tem uma obra interessante e rica em memória daquilo que o move como cidadão. De estudante do Maio chileno de 69, a companheiro e guarda pessoal de Salvador Allende, a guerrilheiro na Nicarágua, a preso político, a ativista da Amnistia Internacional, o escritor tem tido uma vida cheia de experiências, emoções e de recordações de um tempo histórico violento, mas rico em vivências.

A sua obra é um testemunho de uma estética que procura na vida construir uma ética sobre os valores humanos e sobre os sonhos de minorias e especialmente sobre um território que é o Chile. A Patagónia, imenso território que atravessa a Argentina e o Chile, tem um clima difícil, extremo, onde o vento e o gelo isolam os espaços desse território. É um dos últimos locais da Terra que envolve os aventureiros e os sonhadores pela viagem, pela descoberta, pela caminhada na respiração de pessoas e de uma cultura própria e não muito divulgada.

Território de lendas, sedutor nas possibilidades de descoberta, berço dos índios Pehuenches, Mapuches, Tehuelches, Onas e Yamanas, que foram sucessivamente dizimados pela civilização das armas e das doenças. Dotada de uma costa de difícil acesso, onde os ventos do Pacífico acostam com força, nela Magalhães também conheceu grandes dificuldades de navegação. 

Território ainda em estado selvagem, naquilo que este adjectivo tem de belo por estar mais perto da natureza inicial das coisas, foi tardiamente explorado e é em certo sentido indomável. A Patagónia é um território de dimensões continentais, com paisagens milenares, esculpidas pelos elementos naturais, é um santuário à evasão, dos que ainda acreditam que a natureza do homem reside, como dizia Pascal, “no movimento”. 

Encontramos na Patagónia os desenhos coloridos da estepe semidesértica, onde os Andes projetam as cores das baías azuladas, por lagos que fazem deslizar icebergues numa graciosidade selvagem. 

É nessa Patagónia dos pântanos rodeados de vulcões, das árvores desenhadas pelos elementos naturais, dos bosques e das praias de pinguins, que acedemos a uma das mais belas paisagens da Terra. Luís Sepúlveda dá-nos, nas suas páginas, as memórias de um território, os sonhos de pessoas que face aos elementos criaram uma cultura generosa de hospitalidade. Uma cultura em extinção e a sua particular respiração é o que Luís Sepúlveda nos oferece em livros fascinantes como Patagónia ExpressMundo do Fim do Mundo ou 
Últimas Notícias do Sul.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Na memória de Luís Sepúlveda


 Luís Sepúlveda deixou-nos uma obra que vale muito como um exemplo de resistência pelos sonhos e pela descoberta de territórios esquecidos. Da sua obra é visível uma ética sobre os valores humanos, capaz de dar voz ao esquecimento e o que mais importa na vida.  Um excerto do último livro que publicou. Obrigado por tantas aventuras em tantos movimentos fascinantes pelo natural.

“Numa manhã do verão austral de 2014, muito perto de Puerto Montt, no Chile, uma baleia encalhou a costa de seixos. Era um cachalote de quinze metros de comprimento e o seu corpo, de uma estranha cor cinzenta, não se movia.
Alguns pescadores acharam que talvez se tratasse de um cetáceo desorientado; outros sugeriram que, provavelmente, tinha ficado intoxicado com todo o lixo que se atira para o mar. E um silêncio carregado de tristeza foi a homenagem de todos os que rodeávamos o grande animal marinho sob o céu do Sul do Mundo.
O cachalote ficou ali umas duas horas, embalado suavemente pelas ondinhas da baixa-mar, até que uma embarcação se aproximou, fundeou a pouca distância e alguns homens se atiraram à água, munidos de cordas grossas que amarraram  à barbatana caudal, ou cauda do animal, e depois, muito lentamente, a embarcação deu a proa ao sul, arrastando o corpo sem vida do gigante marinho.
   - O que farão com a baleia? – perguntei a um pescador que, com o seu gorro de lã nas mãos, via afastar-se a embarcação.
   - Respeitá-la . Quando chegarem ao mar alto, passada a saída sul do golfo, abrem-lhe o corpo, esvaziando-o para que não flutue, e deixam-na afundar-se na escuridão fria do oceano – respondeu em voz baixa o pescador.
   Depressa a embarcação e a baleia desapareceram entre o perfil incerto das ilhas, e as pessoas afastaram-se da costa. Mas ficou um menino, a olhar fixamente para o mar.
   Aproximei-me dele. Os seus olhos de pupilas escuras prescrutavam o horizonte e duas lágrimas desciam-lhe pelo rosto.
   - Eu também estou triste. És daqui? – perguntei, em jeito de cumprimento.
   O menino sentou-se na praia de seixos  antes de responder, e eu fiz o mesmo.
   - Claro. Sou lafkenche. Sabes o que significa? – perguntou.
   - “Gente do mar” – respondi.
   - E tu, porque estás triste? – quis saber o menino.
   - Por causa da baleia. Que lhe terá acontecido?
   -- Para ti é uma baleia morta, mas para mim é muito mais do que isso. A tua tristeza e a minha não são iguais.
   Permanecemos em silêncio durante um tempo medido pelas ondas que iam e vinham, até que ele me ofereceu um objeto maior do que a sua mão.
   Era uma concha de loco, um caracol marinho muito apreciado, com uma concha exterior rugosa, pétrea, e o interior branco como uma pérola.
   - Encosta-a ao teu ouvido e a baleia falará contigo – disse o pequeno lafkenche, afastando-se com grandes passadas pela praia escura de calhaus.
   Foi o que fiz. E, sob o céu cinzento do Sul do Mundo, uma voz falou comigo na velha língua do mar."

História de uma baleia branca / Luís Sepúlveda. Porto: Porto Editora: 2019

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Patagónia Express


Os índios da Patagónia mantiveram uma longa relação com a quila e não só pela bondade da sua utilização como igualmente pelas suas virtudes de trágico e infalível oráculo. Sempre que floresceu a quila advieram tempos de dor e desolação. A sua flor é de uma intensa e premonitória cor vermelha, e os Tehuelches calculavam a sua idade consoante o número de vezes que a tinham visto florescer. Os que foram testemunhos daquele portenho mais de duas vezes tinham certamente muito que contar ao calor das fogueiras.

    Hoje restam poucos Tehuelches e Mapuches na Patagónia. São sobreviventes que, agarrados à sua dignidade, decidiram não ser maisum simpático pormenor étnico para diversão dos turistas, e vivem e excercem uma espantosa cultura de resistência e de memória de ambos os alados da cordilheira dos Andes. 

As restantes etnias sucumbiram perante as regras de um processo cujos frutos ninguém é capaz de definir, e delas mal persistem as recordações ou testemunhos reunidos por alguns estudiosos que realizam o seu trabalho vigiados pelos preconceitos e a suspeita. É muito difícil escrever a história dos vencidos, mas a quila continua lá, crescendo nos desfiladeiros, unida pelos invernos ao errante destino dos gaúchos pobres.

Quando o mês de março encurta os dias, as abetardas cruzam o céu fugindo aos rigores invernais e o vento amontoa as nuvens nos vales, então os gaúchos reúnem os rebanhos de reses e empreendem a subida em direcção à cordilheira, para a estação do inverno. Não são muitos os bovinos nessa terra débil onde primeiro pastaram os guanacos e que mais tarde foi pisada por milhões de ovelhas na época dourada da lã. 

Patagónia Express / Luís Sepúlveda. Porto: Porto Editora.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Luís Sepúlveda - os lugares e os gestos


Luís Sepúlveda é um escritor chileno que tem feito da sua experiência de vida um conhecimento que o faz refletir sobre o mundo. Reflexão onde lemos as palavras e os gestos de um testemunho de solidariedade pelas vozes esquecidas das culturas e povos da América do Sul. 

Luís Sepúlveda nasceu em 1949, em Ovalle, no Chile. De estudante do Maio chileno de 69, a companheiro e guarda pessoal de Salvador Allende, a guerrilheiro na Nicarágua, a preso político, a ativista da Amnistia Internacional, o escritor tem tido uma vida cheia de experiências, emoções e recordações. Memórias de um tempo histórico violento, mas rico em vivências. A sua obra é um testemunho de uma estética que procura na vida real construir uma ética sobre os valores humanos e sobre os sonhos de minorias.  

Com ele descobrimos a tradição da oralidade, o valor das histórias contadas em múltiplas aldeias, uma respiração própria, na autenticidade que o centro globalizado muitas vezes desconhece e ignora. Com ele descemos aos povoados solitários da Patagónia, aos caminhos de vento, aos abetardos, ou às gaivotas de tom cinzento que se lançam nesse puro frio que já se anuncia nas proximidades do estreito de Magalhães.

Os seus livros são a tradução de um imaginário, de uma memória e de uma cidadania, em defesa dos mais fracos, dos ausentes; eles são a confirmação de que a literatura também é uma inspiração para a vida e com ela. A ele dedicaremos alguns textos e destaques bibliográficos.