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segunda-feira, 6 de junho de 2022

O 1.º Modernismo - Fernando Pessoa e Almada Negreiros (VI)

 

 

Almada Negreiros foi um dos artistas do século XX que esteve ligado ao 1.º Modernismo. Fernando Pessoa também dele participou, nomeadamente através da Revista Orpheu, onde foi colaborador, tendo escrito alguns textos para essa importante revista.

“Retrato de Fernando Pessoa” de Almada Negreiros é o título de dois quadros pintados por Almada Negreiros. O primeiro quadro é de 1954 e foi pintado para o restaurante Irmãos Unidos, que era um antigo ponto de encontro da geração do Orpheu. O segundo quadro é de 1964 e foi realizado, a partir de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian. O segundo quadro representa a imagem invertida do representado no primeiro quadro. Almada Negreiros já tinha pintado a figura de Fernando Pessoa por duas vezes, uma na primeira década do século XX, justamente em 1913 e outra nos anos trinta, em 1935. A primeira para Exposição dos Humoristas e a segunda, aquando da morte do poeta, publicada no Diário de Lisboa.

     “Retrato de Fernando Pessoa” é um duplo quadro de grande importância por diversos motivos. Em primeiro lugar pelo grande valor de Fernando Pessoa como poeta e de Almada Negreiros como um importante artista. “Retrato de Fernando Pessoa” é na obra de Almada Negreiros que foi extensa e diversificada, uma das suas mais importantes criações. Quando os quadros foram produzidos a geração do Orpheu já não existia, o que também lhe dá a importância de religar duas gerações na arte em Portugal no século XX.

     O quadro apresenta-nos algumas características curiosas. Fernando Pessoa aparece sentado a uma mesa num lugar a que ficou especialmente ligado,  podendo ser “o Martinho da Arcada”, ou “a Brasileira do Chiado” e na mesa o número dois da revista do Orpheu. Na representação do poeta o olhar revela uma determinada fragilidade no olhar, onde se percebe um sentido de introspeção, de pensamento, onde a emoção não se pressente e com a curiosa apresentação de uma figura que se assemelha com um arlequim. O quadro apresenta-se-nos como um olhar do poeta parado em direção a um pensamento, onde se vislumbra uma atmosfera de pouca tranquilidade.

     Fernando Pessoa criou um conjunto de figuras poéticas, os seus heterónimos com características diversas no seu olhar sobre o mundo e a sociedade. Um dos poemas de Fernando Pessoa, “Chuva Oblíqua” conduz-nos a algumas das ideias que o quadro de Almada Negreiros expressa. Se lermos Chuva Oblíqua e observarmos alguns dos detalhes do quadro vemos a ideia do interseccionismo que se apresenta de modo comum.

     No quadro encontramos essa ideia (interseccionismo) através dos pontos que fazem essa intersecção e que são apoiados pela luz de tons quentes. A luz é marcada pelos tons alaranjados que se interpõem no espaço onde aparece a figura de Fernando Pessoa. Essa luz desdobra-se em outras cores, como os vermelhos, ou os amarelos. A estrutura pictórica é também marcada por zonas de sombras, com tons acastanhados e vermelhos escuros. Existem ainda outras tonalidades com tons de cinzento e de azuis que marcam as zonas onde se definem a luz e a cor. E neste tons encontramos objetos como o açucareiro, os punhos da camisa, a chávena do café ou a folha de papel. Todo o quadro é construído segundo a ideia de uma conceção geométrica do espaço, onde se cruzam planos quadriculados de linhas perpendiculares com as linhas diagonais que se cruzam no pavimento em ladrilho.

   O poema destacado enquadra-se com as ideias expressas no retrato, pois nos dois, as ideias de interseccionismo estão presentes de diversos modos.  Nos dois vemos as ideias do futurismo, com as sobreposições dinâmicas  e a  confluência de um mundo exterior em diálogo com um eu interior. Dessa contemplação e intersecção de paisagens surge a fragmentação dos planos, que no poema é muito clara.

Fonte: A arte em Portugal no século XX / José-Augusto França. 4ª ed. - Lisboa : Livros Horizonte, 2009. 

O 1.º Modernismo - Fernando Pessoa e Almada Negreiros (V)



"Atravessa esta paisagem o meu sonho de um porto infinito 
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios 
Que largam do cais arrastando nas aguas por sombra 
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...

O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na agua pelas folhas uma a uma dentro...

Não sei quem me sonho...
Súbito toda a agua do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra de uma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma…”

Fernando Pessoa é um dos marcos da cultura portuguesa e a sua modernidade trouxe para a compreensão do mundo, aquilo que é uma das marcas do mundo contemporâneo. O poema "chuva oblíqua" devolve-nos a construção de uma imagem, a da chuva que se apresenta inclinada e que impede que as pessoas se dela possam desviar. Há assim uma intersecção de planos, o real e o imaginário, num cruzamento de elementos. O poema relaciona-se muito com o quadro de Almada Negreiros, "Retrato de Fernando Pessoa"  nessa construção de uma realidade fragmentada em planos. Que mais não é que o da própria vida num tempo de sociedade profundamente alterado e angustiado. 

“Chuva Oblíqua”, in Poemas Interseccionistas de Fernando Pessoa, 1914, in Orpheu 2, junho de 1915, pp. 160-161.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

O 1.º Modernismo - Fernando Pessoa e Almada Negreiros (IV)

 Arte e sociedade (I)


O 1.º modernismo procurou criar uma ideia nova para o país e uma visão sobre o mundo diversa da que vinha do século XIX. As ideias do futurismo e do sensacionismo organizaram os dois números da Orpheu, revista que, em 1915, procurou agitar a sociedade portuguesa. A Orpheu foi a expressão do movimento modernista, uma ideia nascente de um Portugal Futurista. Procurou responder esteticamente a um país em convulsão social, uma 1ª República em grandes dificuldades com a sua instabilidade política, com as suas ideias de anticlericalismo e também uma ideia de nacionalismo que atravessa esses tempos.

A  Orpheu apresentou-se como uma estética de rutura para afirmar, pelas ideias, pela cultura, pela arte e pela literatura, uma forma esclarecida e criativa de pensar o País. A Orpheu tentou canalizar os movimentos vanguardistas que chegavam da Europa e foi, sem dúvida, um grande objeto cultural que sintetizou a estética dos seus criadores e incorpora as ideias do seu tempo, o Modernismo.

No início do século XX, o Modernismo iniciou uma abordagem nova ao que deveria ser a Arte. Movimento introduzido em Paris, centro de uma vanguarda cultural europeia, onde diferentes figuras experimentavam ideias e experiências, criando correntes estéticas que mudaram a cultura no século XX. O Modernismo português nesta sua primeira fase organizou-se à volta das chamadas Vanguardas. Acreditavam que tinham um papel  histórico de romper com o passado e inventar um futuro, criando um mundo novo.  Os seus valores são de luta contra a tradição e futurista.

A geração do Orpheu foi influenciada pela arte que veio de França e que logo na exposição de 1905, no salon d’ Automne introduzia novas formas de expressão e criação e que deu lugar a diferentes correntes dentro da arte europeia. A cor expressava de forma intensa  uma emoção, sobrepondo-se muitas vezes sobre a forma. A correspondência entre o representado e o real deixava de ser importante.  

A afirmação do mundo das máquinas, o sentimento do indivíduo, as manchas de cores contrastantes, ou  a introdução de materiais de uso do quotidiano, abria portas a outras formas de expressão, o futurismo. O apelo a uma libertação do pormenor representativo, às emoções fez surgir o Abstracionismo. A par destas correntes, destaca-se também o Futurismo desenvolvido em Itália por Filippo Marinetti, em que se rejeita o passado e se glorifica o futuro pela ação das máquinas, onde a velocidade é um culto.  Todo este enquadramento influenciou Almada Negreiros como artista plástico e Fernando Pessoa como poeta.

 Imagem, Amadeo de Souza Cardos, Motion, 1912.

quarta-feira, 1 de junho de 2022

O 1.º Modernismo - Fernando Pessoa e Almada Negreiros (III)

 A sociedade em Portugal nos finais do século XIX

Pertenço a uma geração que ainda está por vir, cuja alma não conhece já, realmente, a sinceridade e os sentimentos sociais". (Fernando Pessoa, Orpheu, Nº1)

     A História contemporânea portuguesa foi marcada por um conjunto de acontecimentos que criariam no país profundas dificuldades de arranque industrial e de construção de uma sociedade moderna. Na 1ª metade do século XIX, houve uma grave crise do indústria e do comércio, agravada pelas invasões francesas, pela ida da corte para o Brasil, pela perda do exclusivo do comércio com o Brasil e pela crescente influência da economia inglesa nos mercados portugueses.  Até 1850, falharam muitas das ideias de industrialização para o país.

      Na 2ª metade de Oitocentos, a Regeneração tentou modernizar o país através de um conjunto de planos de reforma educativa, fomento industrial e novas vias de comunicação. É o país que Eça nos deu nos seus romances e artigos de opinião. No final de Oitocentos, Portugal era predominantemente agrícola, com um défice acumulado por um maior número de importações e por uma indústria pouco competitiva em quantidade e qualidade. O Estado recorria a frequentes aumentos de impostos. A crise económica e financeira de 1890 veio juntar-se ao Ultimato Inglês para consolidar a ideia de uma crise da Monarquia. No início do século XX em Portugal há um confronto entre um partido republicano em ascensão e as posições monárquicas em queda de influência na sociedade.

      Foi neste contexto que o regicídio e a implantação da República criaram focos de esperança para uma sociedade mais desenvolvida. Registaram-se sinais de profunda divisão na sociedade, ainda dominantemente rural e sem grupos sociais capazes de uma mudança de fundo. É com este enquadramento e com a agitação social e política da 1ª República que as ideias do Modernismo tentam, pela Arte e pela Literatura, romper com um Portugal antigo e propor uma nova ideia sobre o país e sobre o mundo. Elementos essenciais deste 1º Modernismo foram diferentes artistas como os pintores Santa-Rita, Amadeo de Souza-Cardoso, Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.

terça-feira, 31 de maio de 2022

O 1.º Modernismo - Fernando Pessoa e Almada Negreiros (II)

 

Base para uma exposição de pintura a realizar pelos alunos do nono ano em ligação com o movimento das vanguardas - o 1.º Modernismo e aquilo que foi uma nova ideia para a Arte em Portugal no início do século XX.

"Somos portugueses que escrevem para a Europa, para toda a civilização; nada somos por enquanto, mas aquilo que agora fizermos será um dia universalmente conhecido e reconhecido. (…)A uma arte assim cosmopolita, assim universal, assim sintética, é evidente que nenhuma disciplina pode ser imposta, que não a de sentir tudo de todas as maneiras, de sintetizar tudo, de se esforçar por de tal modo expressar-se que dentro de uma antologia da arte sensacionista esteja tudo o que de essencial produziram o Egipto, a Grécia, Roma, a Renascença e a nossa época. A arte, em vez de ter regras como as artes do passado, passa a ter só uma regra - ser a síntese de tudo."

(Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, p.124)