Almada Negreiros foi um dos artistas do século XX que esteve ligado ao 1.º Modernismo. Fernando Pessoa também dele participou, nomeadamente através da Revista Orpheu, onde foi colaborador, tendo escrito alguns textos para essa importante revista.
“Retrato de Fernando Pessoa” de Almada Negreiros é o título de dois quadros pintados por Almada Negreiros. O primeiro quadro é de 1954 e foi pintado para o restaurante Irmãos Unidos, que era um antigo ponto de encontro da geração do Orpheu. O segundo quadro é de 1964 e foi realizado, a partir de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian. O segundo quadro representa a imagem invertida do representado no primeiro quadro. Almada Negreiros já tinha pintado a figura de Fernando Pessoa por duas vezes, uma na primeira década do século XX, justamente em 1913 e outra nos anos trinta, em 1935. A primeira para Exposição dos Humoristas e a segunda, aquando da morte do poeta, publicada no Diário de Lisboa.
“Retrato de Fernando Pessoa” é um duplo quadro de grande importância por diversos motivos. Em primeiro lugar pelo grande valor de Fernando Pessoa como poeta e de Almada Negreiros como um importante artista. “Retrato de Fernando Pessoa” é na obra de Almada Negreiros que foi extensa e diversificada, uma das suas mais importantes criações. Quando os quadros foram produzidos a geração do Orpheu já não existia, o que também lhe dá a importância de religar duas gerações na arte em Portugal no século XX.
O quadro apresenta-nos algumas características curiosas. Fernando Pessoa aparece sentado a uma mesa num lugar a que ficou especialmente ligado, podendo ser “o Martinho da Arcada”, ou “a Brasileira do Chiado” e na mesa o número dois da revista do Orpheu. Na representação do poeta o olhar revela uma determinada fragilidade no olhar, onde se percebe um sentido de introspeção, de pensamento, onde a emoção não se pressente e com a curiosa apresentação de uma figura que se assemelha com um arlequim. O quadro apresenta-se-nos como um olhar do poeta parado em direção a um pensamento, onde se vislumbra uma atmosfera de pouca tranquilidade.
Fernando Pessoa criou um conjunto de figuras poéticas, os seus heterónimos com características diversas no seu olhar sobre o mundo e a sociedade. Um dos poemas de Fernando Pessoa, “Chuva Oblíqua” conduz-nos a algumas das ideias que o quadro de Almada Negreiros expressa. Se lermos Chuva Oblíqua e observarmos alguns dos detalhes do quadro vemos a ideia do interseccionismo que se apresenta de modo comum.
No quadro encontramos essa ideia (interseccionismo) através dos pontos que fazem essa intersecção e que são apoiados pela luz de tons quentes. A luz é marcada pelos tons alaranjados que se interpõem no espaço onde aparece a figura de Fernando Pessoa. Essa luz desdobra-se em outras cores, como os vermelhos, ou os amarelos. A estrutura pictórica é também marcada por zonas de sombras, com tons acastanhados e vermelhos escuros. Existem ainda outras tonalidades com tons de cinzento e de azuis que marcam as zonas onde se definem a luz e a cor. E neste tons encontramos objetos como o açucareiro, os punhos da camisa, a chávena do café ou a folha de papel. Todo o quadro é construído segundo a ideia de uma conceção geométrica do espaço, onde se cruzam planos quadriculados de linhas perpendiculares com as linhas diagonais que se cruzam no pavimento em ladrilho.
O poema destacado enquadra-se com as ideias expressas no retrato, pois nos dois, as ideias de interseccionismo estão presentes de diversos modos. Nos dois vemos as ideias do futurismo, com as sobreposições dinâmicas e a confluência de um mundo exterior em diálogo com um eu interior. Dessa contemplação e intersecção de paisagens surge a fragmentação dos planos, que no poema é muito clara.
Fonte: A arte em Portugal no século XX / José-Augusto França. 4ª ed. - Lisboa : Livros Horizonte, 2009.
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