“
(…) um operário civil italiano (Lorenzo) trouxe-me um bocado de pão (…), todos
os dias, durante seis meses; ofereceu-me uma camisola sua cheia de remendos;
escreveu por mim um postal para Itália e fez-me chegar a resposta. Por tudo
isto, não pediu nem aceitou alguma compensação, porque era bom e simples, e não
achava que o bem devesse fazer-se para obter compensações. (…)
Creio
que devo justamente a Lorenzo o facto de estar vivo hoje; não tanto pela sua
ajuda material, quanto por me ter constantemente lembrado com a sua presença,
com a sua maneira tão linear e fácil de ser bom, que ainda existia um mundo
justo para além do nosso, algo e alguém ainda puro e incontaminado, não
corrupto e não selvagem alheio ao ódio e ao medo; algo que mal se pode definir,
uma remota possibilidade de bem, pela qual, porém, valia a pena conservar-se.
As
personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade está sepultada, ou
eles mesmos a sepultaram, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a
outrem. Os SS maus e estúpidos, os políticos, os criminosos, os proeminentes
grandes e pequenos (…) todos os degraus da insana hierarquia criada pelos
Alemães, estão paradoxalmente unidos numa única desolação interior.
Mas
Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada, estava fora
deste mundo de negação. Graças a Lorenzo, aconteceu-me não esquecer que também
eu era um homem”.
Se isto é um homem / Primo Levi ; trad. Simonetta Cabrita Neto. - 15ª ed. - Alfragide :
D. Quixote, 2017. - 185, [6] p. ; 24 cm. - Tít. orig. : Se questo è un uomo. -
ISBN 978-972-20-5402-7
Sem comentários:
Enviar um comentário