Tenho visto também umas névoas esbranquiçadas que ficam lá par muito fundo embebendo-se de luz. Névoa, um pouco de sol e brancura, tudo embrulhado. A onda vem de longe, irrompe da névoa, e só se vêem os grandes rolos brancos revolvidos de espuma muito ao perto quando se despedaçam. Em Sagres assisti a um nevoeiro extraordinário. Aparecem primeiro uns flocos no céu, e a luz tornou-se logo mais azul, pegando a zul à pele, molhando de azul as mãos estendidas. Depois a névoa, que no Verão dura segundos, doirou e subiu ao ar, tornando o horizonte mais ilimitado e fantasmagórico...
As névoas anunciam o Inverno. Começam a vir os nevoeiros compactos, que se metem pelas narinas e cheiram a mar e a fumo. Há-os que têm léguas de espessura e levam dias a passar, cortes desordenados de fantasmas enchendo todo o horizonte. O sino tange. Não se vê palmo adiante do nariz. Lá fora os barcos, como cegos, só se guiam pelo som. O mar é um misterioso fantasma que os envolve. Cerração cada vez mais mole e espessa...
Só a voz se ouve, e o lamento parece vir de longe e de mais fundo. Às vezes adelgaça-se um pouco na costa, e grandes rolos de fumaceira crescem do mar sobre a terra. É o Inverno que vem aí. A voz imensa tem já plangências de dor - desabar infinito de lágrimas. De sul para o norte as nuvens correm sempre, cortes sobre cortes que saem das profundas e avançam, deslizam sobre as águas sem ruído, enchendo o céu de farrapos enormes, de fantasmas criados naquele mar salgado e que se seguem em tropel num galope monstruoso para uma grande batalha desconhecida. E de quando em quando o sino chama, chama sempre pelos homens perdidos na névoa espessa que leva dias a passar.
Os Pescadores / Raul Brandão. Porto: Porto Editora, 2010
Imagem: Copyright - Elena Gabbasova
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