quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Minutos de leitura

 

O caminho entre a praia e a casa foi percorrido com alguma pressa. Ansiosos, os meus dedos afagavam aquele objecto misterioso que não obedecia à lei fundamental de todo o búzio digno desse nome: trazer gravado dentro de si o marulhar das ondas para que as pessoas possam recordar o ruído do mar, mesmo quando estão longe dele.
Assim que cheguei a casa fechei-me no meu quarto e dispus-me a observar o búzio com toda a atenção: ele recordava vagamente um pião, quer porque uma das pontas terminava num bico aguçado, quer porque era bojudo e reboludinho. Se não fosse aquela boca tão aberta, rasgada na bochecha redonda, quase estava tentado a enrolar-lhe uma corda à cintura e a atirá-lo para o chão só para ver se ele rodopiava. Mas não. Acabei por não arriscar a fazer isso porque receava partir-lhe o bico. Uma vez mais colei o ouvido à boca do búzio mas ele continuou calado. 
Difícil. difícil, foi espreitar lá para dentro, para o fundinho da concha. Tentei todas as posições. todas as iluminações, todas as perspetivas, sentei-me, fiz o pino, deitei-me, andei de gatas e nada, não vi nada, o máximo que consegui topar foi qualquer coisa escurinha no dobrar da primeira contracurva.
- Já sei! Vou imitar os crescidos a comer búzios na cervejaria!"

O Búzio de Nacar / Carlos Correia; il. Henrique Cayatte. Alfragide: Caminho, 1986.
Imagem: Copyright: wattpad

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