"Porque brincar é descobrir a parte de dentro das coisas,
é normal que as crianças queiram abrir tudo,
a Natureza, a luz, a água,
rasgar a realidade,
partir a casca de ovo da realidade
par descobrir o que a sustenta,
os seus ossos, o seu coração, a sua carne,
porque desde crianças que não acreditamos em cenários,
em superfícies e aparências, desde crianças
que desejamos iluminar tudo. Queremos
abrir frutos para descobrir sementes.
E semeá-las, o que é muito mais difícil do que
simplesmente partir a casca. Queremos que a realidade
cresça como uma árvore.
No fundo, descobrir uma semente
é o o desejo de ter uma sombra."
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"Quando saí de casa com o meu pai
para passearmos as nossas conversas, o Ricardo
aproximou-se e perguntou as horas,
e o meu pai, em vez de responder três e um quarto,
soltou uma lágrima.
Não percebi porquê.
Fiquei a pensar
que talvez ele tenha a capacidade
de dizer as horas com lágrimas
em vez de números, porque as lágrimas
serão talvez menos exactas,
por serem exactamente
mais humanas."
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"Uma gota de água junta-se a outra gota de água,
formando uma gota de água,
mas um grão de areia, quando se junta a outro grão de areia,
resulta em dois grãos de areia,
por mais juntos que estejam.
E os grãos nunca deixam de ser eles,
um mais outro.
sei que há momentos gotas de água
e há momentos grãos de areia,
e é claro que o mais difícil é decidir
quendo devemos ser água ou quando devemos ser areia,
mas é importante perceber que a coexistência dos dois
faz uma praia."
"Abrir frutos", "Lágrimas em vez de números" e "Praia" in Paz traz Paz / Afonso Cruz. Lisboa: Companhia das Letras
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