quarta-feira, 20 de maio de 2020

Minutos de leitura (XXII)


"A Primavera. A verdadeira. Lá estava ela. A dos livros não chegava aos pés daquela.

O ouriço acordou toda a gente e depois deitou-se no centro do Largo de barriga para o ar, a ouriçar. Preparava-se para cantar uma canção quando o Coelho o abanou:
- Toca a andar! Há muitas rolhas para apanhar. – Depois, respirou fundo e acrescentou, muito satisfeito: - Ah, está mesmo um bom dia para se procurar rolhas.

Não era só o ouriço; os outros também já se tinham esquecido das suas obrigações. Num dia assim, quem acreditava em tempestades que podiam ser tornados, ciclones ou furacões?

O coelho, que era o mais dinâmico e interessado, ou, simplesmente, o mais assustado, pôs-se a gritar:
- Isto é sol de pouca dura. Quando vier a tempestade, cão dizer: «Podíamos ter feito uma jangada…» Pensem nisso, pensem nisso.

Tanto os massacrou, que eles, um a um, lá se puseram a trabalhar para a jangada. Custava passar um dia de Primavera a apanhar rolhas, fios de trepadeiras e ramos assim-assim, mas enfim… sempre andavam por aqui e por ali. Viam a Primavera. Era o que era.

Nesse dia correu tudo bem e juntaram quinze rolhas, três ramos assim-assim e não sei quantos fios de trepadeira. E a jangada começou a ser construída. Era uma jangada de rolhas que, não sendo grande nem pequena, também era assim-assim.

No dia seguinte é que foram elas. O coelho e o Ouriço foram para longe, lá para os lados do Parque de Campismo, onde viviam as Criaturas Medonhas também conhecidas por pessoas. Era a zona da Mata onde havia mais rolhas.

Aí chegados, separaram-se a cada qual foi para o seu lado. O Ouriço recolheu sete rolhas das melhores e fez um montinho com elas. Estava calor e ele deitou-se à sombra de um pinheiro de barriga para o ar, a ouriçar. E cantou a sua canção preferida:

Não fazer nada,
Não ir a lado nenhum,
Não pensar nisso sequer,
Que bom que é,
Olarilolé!

O sol a aquecer,
As coisas a acontecer,
E, no meio de tudo isso,
Um lindo ouriço
Sem ter nada que fazer
A não ser ouriçar
De barriga para o ar.

Quando acabou, ouviu uma voz atrás dele, também cantando:

Ai que bonita esta canção é. Olarilolé."

" O lugar desconhecido", in O amor está no ar / Álvaro Magalhães.  
Imagem: Copyright: Calvin and Hobbes

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