"A
Primavera. A verdadeira. Lá estava ela. A dos livros não chegava aos pés
daquela.
O ouriço
acordou toda a gente e depois deitou-se no centro do Largo de barriga para o
ar, a ouriçar. Preparava-se para cantar uma canção quando o Coelho o abanou:
- Toca a
andar! Há muitas rolhas para apanhar. – Depois, respirou fundo e acrescentou,
muito satisfeito: - Ah, está mesmo um bom dia para se procurar rolhas.
Não era só
o ouriço; os outros também já se tinham esquecido das suas obrigações. Num dia
assim, quem acreditava em tempestades que podiam ser tornados, ciclones ou
furacões?
O coelho,
que era o mais dinâmico e interessado, ou, simplesmente, o mais assustado, pôs-se
a gritar:
- Isto é
sol de pouca dura. Quando vier a tempestade, cão dizer: «Podíamos ter feito uma
jangada…» Pensem nisso, pensem nisso.
Tanto os massacrou,
que eles, um a um, lá se puseram a trabalhar para a jangada. Custava passar um
dia de Primavera a apanhar rolhas, fios de trepadeiras e ramos assim-assim, mas
enfim… sempre andavam por aqui e por ali. Viam a Primavera. Era o que era.
Nesse dia
correu tudo bem e juntaram quinze rolhas, três ramos assim-assim e não sei
quantos fios de trepadeira. E a jangada começou a ser construída. Era uma
jangada de rolhas que, não sendo grande nem pequena, também era assim-assim.
No dia
seguinte é que foram elas. O coelho e o Ouriço foram para longe, lá para os
lados do Parque de Campismo, onde viviam as Criaturas Medonhas também
conhecidas por pessoas. Era a zona da Mata onde havia mais rolhas.
Aí
chegados, separaram-se a cada qual foi para o seu lado. O Ouriço recolheu sete
rolhas das melhores e fez um montinho com elas. Estava calor e ele deitou-se à
sombra de um pinheiro de barriga para o ar, a ouriçar. E cantou a sua canção
preferida:
Não fazer
nada,
Não ir a
lado nenhum,
Não pensar
nisso sequer,
Que bom que
é,
Olarilolé!
O sol a
aquecer,
As coisas a
acontecer,
E, no meio
de tudo isso,
Um lindo
ouriço
Sem ter nada
que fazer
A não ser
ouriçar
De barriga
para o ar.
Quando
acabou, ouviu uma voz atrás dele, também cantando:
Ai que
bonita esta canção é. Olarilolé."
" O lugar desconhecido", in O amor está no ar / Álvaro Magalhães.
Imagem: Copyright: Calvin and Hobbes
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