"Estava prestes a
amanhecer quando Kino acordou. As estrelas ainda brilhavam e o dia espalhava
apenas uma desbotada claridade no horizonte. (...) Kino ouviu o rebentar das
ondas matinais na praia. Gostava de o ouvir - Kino fechou os olhos de novo para
escutar a sua música. Talvez mais ninguém o fizesse ou talvez toda a sua gente
tivesse feito o mesmo. O seu povo tinha sido outrora grande cultor de canções,
de tal modo que tudo o que via ou pensava, ou fazia e ouvia, se transformava
numa canção. Mas isso já tinha sucedido havia muito tempo. No entanto, as
canções tinham permanecido. (...)
O povo de Kino tinha
cantado tudo o que acontecia ou existia. Tinham feito canções aos peixes, ao
mar enfurecido e ao mar em calmaria, à luz das trevas e ao Sol e à Lua, e essas
canções estavam todas em Kino e na sua gente - todas as canções que tinham sido
feitas, até mesmo as que estavam esquecidas. E, enquanto enchia o seu cesto, a
canção soava dentro de Kino e o ritmo da canção era o bater do seu coração, a
queimar o oxigénio do fôlego retido, e a melodia da canção era a água
verde-acizentada e os pequenos animais que fugiam precipitadamente e as nuvens
de peixes que adejavam junto dele e desapareciam. Mas, dentro da canção havia
um pequeno canto interior e secreto, quase imperceptível, mas sempre presente,
doce, secreto, fiel, quase escondido na contra-melodia, que era o Canto da
Pérola Ambicionada, porque cada concha atirada
para o cesto podia conter uma pérola.
(...)
Olhou por momentos
para o cesto. Talvez fosse melhor deixar a ostra para o final. Tirou do cesto
uma ostra pequena, cortou-lhe o manto, pesquisou entre as dobras de carne e
atirou-a para a água. Então pareceu ver a grande ostra pela primeira vez.
Acocorou-se no fundo da canoa, pegou na ostra e observou-a. As estrias
brilhavam em tons de preto e castanho e tinha poucas cracas agarradas à casca.
Kino hesitou em abri-la. Sabia que o que vira podia ter sido um reflexo, um
pedaço de concha arrastado por acaso ou pura e simplesmente uma ilusão. Naquele
golfo de luz incerta havia mais ilusões do que realidades.
Mas os olhos de Juana
estavam cravados nele e ela não conseguia esperar mais. Pousou a mão sobre a
cabeça tapada de Coyotito. - Abre-a - disse suavemente. Kino introduziu
habilmente a faca entre as valvas da concha. Sentia a resistência do manto
contra a faca. Usou a lâmina como uma alavanca e o músculo cedeu e a concha
abriu-se. A carne semelhante a um lábio contorceu-se e depois descaiu. Kino ergueu
a carne e lá estava ela, a grande pérola, perfeita como a Lua. Captou a luz,
sublimou-a e reflectiu-a em incandescências prateadas. Era tão grande como um
ovo de gaivota. Era a maior pérola do mundo."
John Steibeck. (2015). A Pérola. Porto: Livros do Brasil, páginas. 7, 20, 21 e 22
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