quarta-feira, 20 de maio de 2020

Minutos de Leitura (XXII - 3.º Ciclo)

"Tinham passado quase dez anos desde o dia em que os Dursley haviam acordado e descoberto o sobrinho no degrau da porta, mas Privet Drive praticamente não mudara. O Sol nascia sobre os mesmos jardinzinhos bem arranjados em frente das casas e iluminava a placa de latão amarelo que tinha gravado o número quatro na porta principal dos Dursley, entrando lentamente pela sala de estar que se mantinha tal e qual como na noite em que Mr. Dursley ouvira na televisão aquelas notícias fatídicas sobre as corujas. 
Apenas as fotografias por cima da lareira deixavam ver como, de facto, o tempo tinha passado. Dez anos antes havia montes de fotos de uma coisa que parecia uma bola insuflável cor-de-rosa com chapéus com pompons de várias cores. Mas Dudley Dursley deixara de ser um bebé e agora as fotografias mostravam um rapaz gordo e loiro na sua primeira bicicleta, num carrocel no parque de diversões, a jogar um jogo de computador com o pai, a ser abraçado e beijado pela mãe. A sala não apresentava qualquer vestígio de que naquela casa vivesse outro rapazinho.

Contudo, Harry Potter ainda lá estava, a dormir naquele momento, mas não por muito mais tempo. A tia Petúnia tinha acordado e a sua voz estridente foi o primeiro ruído do dia.
— Toca a levantar, já!

Harry acordou sobressaltado. A tia bateu de novo na porta. «Levantar», guinchou. Harry ouviu-lhe os passos a dirigirem-se à cozinha e em seguida o som da frigideira a ser posta ao lume. Enroscou-se na roupa e tentou recordar-se do sonho que tinha tido. Era um sonho agradável onde entrava uma moto aérea. Não conseguia evitar a estranha sensação de que não era a primeira vez que tinha aquele sonho.
A tia estava de novo junto da porta.

— Já te levantaste? — perguntou.
— Quase — disse Harry.
— Bem, vamos a despachar, quero que tomes conta do bacon e não te atrevas a deixá-lo queimar. Tudo tem de estar perfeito no aniversário do Duddy.

Harry resmungou.
— O que é que disseste? — perguntou a tia, do lado de fora da porta.
— Nada, nada...
O aniversário de Dudley... como podia ter-se esquecido? Harry saltou da cama e começou a procurar as peúgas. Encontrou um par debaixo da cama e, depois de sacudir uma aranha de cima de uma delas, calçou-se. Já estava habituado às aranhas, porque o armário debaixo das escadas, onde dormia, estava cheio delas. 

Quando acabou de se vestir, atravessou o vestíbulo e entrou na cozinha.

 A mesa quase não se via debaixo dos presentes de aniversário de Dudley, parecia que ele tinha conseguido que lhe dessem o novo computador que tanto queria, para não falar da segunda televisão e da bicicleta de corrida. O motivo pelo qual Dudley queria uma bicicleta de corrida era um mistério absoluto para Harry, uma vez que ele era gordíssimo e detestava fazer exercício – a não ser, claro, que se tratasse de bater em alguém. 

O saco de pancada preferido de Dudley era Harry, mas geralmente não conseguia apanhá-lo, porque, apesar de não parecer, Harry era extremamente rápido. Talvez isso se devesse ao facto de viver num armário sem luz, mas Harry fora sempre pequeno e franzino para a idade. Parecia ainda mais pequeno e mais franzino por ter de usar as roupas que deixavam de servir a Dudley, que tinha quatro vezes o seu tamanho. O rosto de Harry era magro e pálido, os joelhos ossudos, o cabelo preto e os olhos verdes brilhantes. Usava uns óculos redondos, ligados ao meio com fita-cola devido a todos os murros que Dudley lhe tinha dado no nariz. 

A única coisa de que Harry gostava, no seu aspeto físico, era daquela pequena cicatriz na testa que tinha a forma de um raio. Lembrava-se dela desde sempre e a primeira pergunta que se recordava de ter feito à tia Petúnia era qual a origem daquela cicatriz.
— Ficou-te do acidente de automóvel em que os teus pais morreram — respondeu ela —, e não faças perguntas."

 Harry Potter e a pedra filosofal / J. K. Rowling. Barcarena: Editorial Presença, 2010.

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