"Era uma vez um homem que nascera para sábio. Ora, às vezes, tal facto aborrecia-o muito. Sempre com o nariz enfiado em livros velhos, sempre a escrevinhar relatórios para enviar aos outros sábios que moravam longe - naquele tempo não havia telefone -, sempre a pensar a pensar e a repensar, a fazer contas, a espreitar para os céus e para os caldeirões, que coisa! Então não tinha direito a descansar?
Parou e foi abrir uma janela. O sol - se bem que fosse um sol inglês, estva cheio de força naquele dia - entrou por ali dentro, todo entusiasmado, porque era muito raro permitirem-lhe fazer uma visita àquele laboratório. Com a pressa, tropeçou contra um prisma de vidro e desfez-se nas suas sete cores. Surgiu um arco-íris na parede.
O sábio percebeu tudo o que se passara e ficou ainda mais aborrecido:
- Pronto! Agora estraguei o mistério que havia no Arco-Íris do céu! Não passa de um espectro da luz solar que se refrata nas gotinhas de água. Acabaram-se as histórias sobre as panelas de ouro escondidas no lugar em que ele toca na terra. Ninguém mais verá nele a túnica de Íris, mensageira dos deuses, nem o sinal da paz entre Jeová e os homens. Mas que grande chatice!
Para desanuviar, foi dar um passeiozinho. Mas, como estava pouco habituado a andar, depressa se cansou. Sentou-se à sombra de uma macieira. E vai, caiu-lhe um fruto em cima da cabeça.
Estava a saboreá-lo com delícia quando gritou de novo:
- Que chatice!
Descobrira, ali mesmo, as leis da gravidade. "
"A luz de Newton", in Hélia Correia / A luz de Newton. Lisboa: Relógio D´ Água, 2015.
Imagens: Copyright - Quentin Blake / Sam Burton
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