sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Minutos de leitura

 

"Às vezes, regra geral no inverno, dou por mim a penar por que razão é que moro no Norte? Faz tanto frio! Parece tão distante do resto do mundo! Depois vou até à  costa e faz-se novamente luz.
 Em miúdo costumava subir ao ponto mais alto da cidade e contemplar o rio, que serpenteava por entre estaleiros, armazéns, gruas imensas, as margens confusas de Hebburn, Jarrow e a Doca de Tyne, e que depois fluía por entre os pontões gémeos em Tynemouth e South Shields, para ir desaguar no mar do Norte. 
Às vezes o mar brilhava com uma tonalidade azul e outras vezes era quase negro. Quando o vento estava de feição, era possível sentir-lhe o cheiro. As gaivotas grasnavam por cima das nossas ruas. Quando havia nevoeiro, tocavam os sinos do rio e as sirenes distantes ecoavam. As luzes dos navios brilhavam na noite, como estrelas. O mar estava sempre presente, fazia parte de nós, e parecia que queríamos estar sempre perto dele. (...)
O homem da barbatana apareceu nos meus sonhos. Proferi palavras aquosas que significavam "pai". Ele proferiu palavras secas que queriam dizer "filha". Nadámos juntos até mares do Sul com peixes coloridos e corais, até mares do Norte com icebergues e baleias. Nadámos a noite inteira de mar em mar em mar em mar, e quando acordei o Sol estava alto e já se ouviam vozes no jardim.

Uma criatura feita de mar / David Almond. Lisboa: Editorial Presença,2015

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