"Entre a casa e a cidade longínqua
estendem-se as dunas como um grande jardim deserto, inculto e transparente onde
o vento que curva as ervas altas, secas e finas faz voar em frente dos olhos o
loiro dos cabelos. Ali crescem também os lírios selvagens cujo intenso perfume,
pesado e opaco como o perfume de um nardo, corta o perfume árido e vítreo das
areias.
Dentro da casa o mar
ressoa como no interior de i«um búzio. Quando abro as gavetas a minha roupa
cheira a maresia como um molho de algas. Profundos os espelhos reflectem
demoradamente os dias. E em frente das janelas o mar brilha como inumeráveis
espelhos quebrados. Os móveis são escuros e finos, sem verniz, encerados. O
chão é esfregado, as paredes caiadas. Em todas as coisas está inscrita uma
limpeza de sal. A exaltação marinha habita o ar. A casa é aberta e secreta,
veemente e serena. Nela o menor ruído - tinir da louça, degrau que range,
respiração do vento, comboio que ao longe passa - é escutado. A casa está
atenta a cada coisa. Todos os dias a renovam. A mais leve nuvem que passa
ensombra o vidro dos espelhos. Nela cada coisa é único e precioso como se
contivesse a totalidade do tempo. No brilho da mesa, na transparência do copo,
há como que uma intensidade repousada.
"A casa do
mar", in Histórias da terra e do mar. Sophia de Mello Breyner
Andresen. Porto: Figueirinhas,2006
Imagem:
Copyright - John Constable, Spring-clouds.
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