sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Minutos de leitura

 ""Então isto é o céu", 
pensou, e teve de sorrir de si próprio. Não era nada respeitoso analisar o céu no
preciso momento em que lá chegava a voar.
   Conforme se afastava da Terra, acima das nuvens e numa formação apertada com as duas gaivotas brilhantes, verificou que o seu próprio corpo estava a tornar-se tão brilhante como o delas.
     É verdade que estava ali o jovem Fernão Capelo Gaivota, que sempre tinha vivido atrás dos seus olhos dourados, mas a forma exterior tinha mudado.
     Sentia que tinha um corpo de gaivota, só que voava muito melhor do que o seu velho corpo alguma vez tinha voado. "Incrível como, com metade do esforço", pensou, "consigo obter o dobro da velocidade e o dobro da eficiência dos meus melhores dias na Terra!"
     As suas penas reluziam, brancas como neve, e  as asas estavam macias e perfeitas, como folhas de prata polida. Encantado, começou a aprender mais sobre elas, a imprimir poder àquelas novas asas.
     A quatrocentos quilómetros por hora sentiu que estava quase a atingir a sua máxima velocidade de voo. Aos quatrocentos e quarenta achou que estava a voar tão depressa quanto seria possível e isso deixou-o ligeiramente desapontado. Havia um limite para o que este novo corpo conseguia fazer e embora fosse muito mais rápido do que o seu velho recorde de voo, continuava a ser um limite que exigiria um enorme esforço para ultrapassar. "No céu", pensou, "não deveria haver limites."
     As nuvens dissiparam-sem os seus acompanhantes gritaram "felizes aterragens, Fernão!" e desapareceram.
     Voava sobre um mar, em direção a uma acidentada linha costeira. Algumas gaivotas estavam a aproveitar as correntes de vento nas falésias. Ao longe, para norte, mesmo na linha do horizonte, voavam mais umas quantas. Novas paragens, novos pensamentos, novas questões. "Porque é que há tão poucas gaivotas? O paraíso deveria ter bandos de gaivotas! E porque é que estou tão cansado de repente? Não é suposto as gaivotas ficarem cansadas, nem dormirem, no paraíso.
     Onde é que ele teria ouvido aquilo?"

Fernão Capelo Gaivota / Richard Bach. Alfragide: Lua de Papel, 2018
Imagem: Copyright - Olhares.pt


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