"O telefone, perdão, o búzio desligou e eu não quero nem recordar o que foi a espera lenta e longa pelo findar de uma tarde loira que parecia não ter fim. Assim que o dia gastou todos os fiozinhos de luz, as estrelas começaram a tremeluzir no firmamento e eu corri para a praia, escalei o penedo do lobisomen e esperei.
A lua transformou o mar em prata, o penedo do lobisomen foi envolvido pelas águas à hora da maré cheia e então ouviu-se uma voz doce de sereia enfeitiçada: o búzio começou a vibrar, a fazer música e eu senti um não sei quê que me fez obedecer a todas as instruções.
- Coloca o búzio na boca e volta-te de costas para o mar - ordenou a voz.
Assim fiz e a voz continuou:
- Agora deixa-te cair, não tenhas medo, tu vais descer docemente, eu estou cá em baixo, de braços abertos, à tua espera.
Lancei-me confiadamente do penedo, eu sabia que não ia cair mas voar e voei como nos sonhos, voei muito de le-ve-zi-nho sem sentir o peso do corpo até que o manto fofo e fresco das águas me recolheu no ventre fundo. Quando as águas se fecharam sobre o meu corpo eu tive a primeira grande surpresa: com o búzio na boca eu respirava tão bem como se estivesse fora da água!
A segunda surpresa chegou logo a seguir na forma de uma baleia-azul:
- Olá, Félix - disse ela.
- Olá, baleia-azul.
- Vem comigo, fui encarregada de te transportar à cidade de Nacar.
- E como vou viajar? - quis saber.
- Tu és um passageiro especial, convidado de honra da cidade, entra para o meu salão de luxo - convidou ela."
O Búzio de Nacar / Carlos Correia; il. Henrique Cayatte. Alfragide: Caminho, 1986.
Imagem: Copyright - Evgeniia Zagreeva
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