quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Minutos de leitura

 

Lá em cima do poleiro o vigia ergueu-se de salto, deu sinal de baleia à vista com o búzio e todos os homens desataram a correr para as canoas. Nas Lajes, noutro dia, saía o enterro dum baleeiro morto no mar, quando do Alto da Forca anunciaram o bicho. Ia tudo compungido - ia a mulher compungida e os pescadores compungidos, o padre, o sacristão, a cruz e a caldeira - iam aqueles homens rudes e tisnados em passo de caso grave e fatos de ver a Deus. (...)
Baleia! baleia!... Deixam um casamento ou enterro em meio, um contrato ou uma penhora, as testemunhas e a justiça, e correm desesperados a arrear à baleia. No Cais do Pico e nas Lajes ninguém se afasta da praia. Estão sempre à espera do sinal e com o ouvido à escuta, os homens nos campos, as mulheres nos casebres. E enquanto falam, comem ou trabalham, lá no fundo remói sempre a mesma preocupação. São tão apaixonados que até este cheiro horrível, que faz náuseas e que se entranha na comida e no fato, lhes cheira sempre bem.
- Baleia! baleia!"

A pesca da baleia e outras narrativas / Raul Brandão. Porto: Porto Editora, 2014
Imagem: A baleia-azul nas Lajes. Museu dos baleeiros, ilha do Pico.

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