"Quase todas as maçãs
silvestres são belas. Nunca têm um aspecto demasiado rugoso, desagradável ou
oxidado. As mais disformes terão alguma característica redentora para o olhar.
Descobriremos algum rubor vespertino que mancha ou salpica qualquer
protuberância ou qualquer cavidade. É raro o Verão passar sem deixar uma maçã
com riscos ou laivos em certos pontos da sua esfera.
O fruto terá algumas manchas vermelhas, a comemorar as manhãs e os crepúsculos que presenciou, quaisquer malhas escuras e ferruginosas, a recordar as nuvens e os dias enevoados e húmidos que passaram por ela, e um vasto campo verde a reflectir a face geral da Natureza – tão verde como os campos : ou ainda um fundo amarelo, o que implica um travo mais suave – amarelo como a colheita, ou de um castanho-avermelhado como as colinas.
Refiro-me às maçãs de uma beleza indizível – maçãs não de Discórdia, mas de Concórdia!
Porém, não tão raras que os mais
humildes não possam ter a sua parte delas. Pintadas pela geada, algumas de um
amarelo-vivo límpido e uniforme, vermelhas, ou carmesim, como se as suas
esferas tivessem girado com regularidade e sofrido a influência do sol em toda
a superfície por igual; algumas com o rubor rosa mais ténue que se possa
imaginar; outras malhadas, como uma vaca, com laivos de um vermelho profundo,
ou percorridas por centenas de raias vermelho-sangue que correm regularmente,
desde a implantação do pedúnculo até ao extremo da flor, como linhas de
meridianos sobre um fundo cor de palha; outras, aqui e ali, com um toque de
ferrugem esverdeada, semelhante a um líquen delicado, com manchas rubras ou
olhos mais ou menos confluentes e incendiados quando estão húmidas; outras,
finalmente, rugosas e pintalgadas ou mosqueadas com ténues pontos carmesim
sobre um fundo branco, como que acidentalmente salpicadas pelo pincel d’ Aquele
que pinta as folhas outonais.
Outras, ainda, são por vezes vermelhas no interior, impregnadas de um lindo rubor, alimento de fadas, demasiado belas para serem comidas – maçãs das Hespérides, maçãs do céu do entardecer! Porém, como conchas e seixos à beira-mar, é preciso vê-las quando cintilam entre as folhas secas em qualquer depressão dos bosques, por entre o ar outonal, ou espalhadas pela erva húmida, e não depois de definharem e empalidecerem em casa."
Henry-David Thoreau.
(2016). Maçãs silvestres e cores de Outono. Lisboa: Antígona.
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