terça-feira, 16 de junho de 2020

Minutos de leitura (XXXIX) - 3.º Ciclo

"Não te aproximes das árvores! Está a trovejar! Há relâmpagos, muitos relâmpagos e as altas árvores atraem o relâmpago, sugam-no na direção dos seus mais vigorosos ramos e troncos. Então, pode ser muito perigoso! Quantas árvores já viram completamente secas,de braços-ramos retorcidos, nem uma única folha viva? Muitas!

Quem gosta da paisagem da Terra, quem prefere um passeio pela floresta, quem pisa a terra batida dos caminhos dos bosques, conhece também as árvores mortas. E lamenta-as. E, normalmente, chora essas poderosas vidas que se perderam num instante, sem um grito, sem um lamento, dilacerados os corpos-troncos pela força de um raio, pela inevitabilidade de uma faísca.

Mas em dias bons que trazem a paz aos sentidos, esses dias que conduzem a noites intermináveis, noites de brilho, quando uma pessoa sai de casa disposta a caminhar pelas veredas iluminadas pela luz dos astros celestes, a vida tão intensa, o maior deslumbramento poderá acontecer quando nos sentamos a descansar um bocadinho, trémulos da caminhada, debaixo de uma árvore, acocorados na sua base, encostados ao corpo-tronco. Vou dizer-vos o que acontece.

A vida corre, a floresta está em paz e é de noite. O céu, esse teto inimaginável e longínquo apresenta um todo escuro, mas ao mesmo tempo esbranquiçado pelos milhões de milhões de astros que estão tão perto uns dos outros, colam-se, tocam-se formando uma imensa tela pontilhada e brilhante. São as estrelas, os cometas, os planetas, as galáxias, tudo junto, tudo, tudo e tudo ainda que não se conhece, mas se imagina num fervilhar de pensamentos e todos, mas todos vocês deverão, pelo menos uma vez na vida, experimentar.

Sentamo-nos, então, na base da grande árvore e olhamos o céu. Embasbacados e incrédulos, olhamos o céu sem nada perceber e a nossa cabeça, o nosso pensamento cansa-se de tanta interrogação. Mas é nessas altura de desvario celeste, quando muito descansados, sendo a paz perfeita, de repente e sem fechar os olhos nos sentimos a rodar, a rodar, a rodar como rodam as estrelas por cima de nós. Sim! Sentiremos a rotação da Terra, é verdade! Sentimos a Terra a girar como gira o nosso pensamento.

Mas para que isso aconteça é preciso encontrar a tal floresta, a tal árvore, a tal noite, a tal paz."

As fabulosas histórias da Tapada de Mafra / Cristina Carvalho; il. Teodora Boneva. Porto: Sextante Editora.
 Imagem: Copyright - J. Elemans


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