quarta-feira, 17 de junho de 2020

Biblio@rs (XVIII-XVI)

A Civilização Grega - o belo como representação (V)

 "Nas suas mãos a voz do mar dormia
  Nos seus cabelos o vento se esculpia
  A luz rolava entre os seus braços frios
  E nos seus olhos cegos e vazios
  Boaiava o rasto branco dos navios." (1)

É a coisa mais bela da terra, uma fila de cavaleiros” diz. “Não, de infantes”. “Não, de navios”. E eu penso, belo é o que se ama. Fazê-lo compreender é coisa muito fácil, para cada um. Helena, que via a Beleza de muitos, escolheu como seu homem e o melhor aquele que apagou a luz de Tróia: esqueceu a filha, os pais, e foi para longe, para onde quer Cípris, porque o amava. […] Quem é belo, é-o enquanto está debaixo dos olhos, quem também é bom, é-o agora e sê-lo á depois”. (2)

A beleza é uma ideia, uma abordagem de valores e uma representação. A Civilização Grega construiu um conceito para exprimir o belo. Chamou-lhe a Kalokagathía e tem em si um ideal do belo dos gregos que procurava harmonizar a alma com o corpo, a forma com o  espírito. Os artistas tiveram um papel muito importante na sua edificação material.


 A ideia de belo define-se melhor com a aproximação do século V a.C., pois a ascensão económica e cultural de Atenas permite-lhe ter uma noção mais clara do seu sentido estético. A vitória sobre os Persas no tempo de Péricles permitiu desenvolver de modo significativo as Artes, e, como já vimos, com destaque para a pintura e a escultura. 
A reconstrução da cidade, dos seus templos era também uma forma de revelar um orgulho do poder ateniense e permitiu dar um incentivo ao trabalho dos artistas.
A Civilização Grega tem em si outras razões para essa explosão artística. A técnica das artes figurativas gregas é de enorme alcance. A arte grega superou em muitos aspectos a arte da Terra dos Faraós. A arte grega faz uma aproximação entre a sua representação e a vida dos gregos. Tal não acontecia no Egipto dominado por uma arte virada para a abstração e organizada de uma forma muito disciplinada. 

Na  arte grega a escultura procura a expressão de um belo que se observe nos corpos representados. Os grandes nomes da escultura grega (Fídias, Míron e Praxíteles) procuram realizar um equilíbrio entre uma representação que seja realista, nas formas humanas e o respeito por um cânone (kánon) específico.

A escultura grega não constrói uma abstração, uma idealização de belo, mas apenas tenta encontrar o que pode ser classificado como uma Beleza ideal. A escultura grega tenta uma síntese em corpos vivos, onde o belo conjuga uma ideia de corpo e alma. A beleza na Grécia Clássica aspira a representar o esplendor do corpo numa estrutura que projete igualmente a bondade, os valores do espírito. Esse ideal, conhecido com o nome de Kalokagathía teve a sua expressão maior nos versos de Safo e nas esculturas de Praxíteles.

A escultura grega não busca os pormenores da representação. Ela revela com grande preocupação sua, uma representação de formas humanas. Nestas, um pequeno fragmento de movimento ou uma seção de uma ação encontra um equilíbrio e por isso a sua própria essência. Esta reside na simplicidade expressiva, mais do que nos pormenores. Houve algumas exceções, mas elas não representaram o essencial desta ideia grega, a expressão do belo.

(1) - "A Estátua" in No tempo dividido / Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa: Caminho. 
(2) - Poesia de Safo (séculos VII-VI a.C.), in Hélade: antologia da cultura grega / org. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Guimarães. 
Imagem: Auriga, século V a.C., Museu Arqueológico de Delfos.

Sem comentários:

Enviar um comentário