Se eu tivesse aquelas qualidades, poderia contar, com pormenores, uma linda história que um dia inventei… …seria a mais linda de todas as que se escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas…
Desce o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao grande rio, com as mãos recolhe quanta de água lá cabia, volta o mundo atravessar, pelo monte se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor com sede. Vinte vezes cá e lá… Mas a flor aprumada já dava cheiro no ar, e como se fosse uma grande árvore deitava sombra no chão. O menino adormeceu debaixo da flor. Passaram as horas, e os pais, como é costume nestes casos, começaram a afligir-se muito. Saiu toda a família e mais vizinhos à busca do menino perdido. E não o acharam. Correram tudo, já em lágrimas tantas, e era quase sol-pôr quando levantaram os olhos e viram ao longe uma flor enorme que ninguém se lembrava que estivesse ali. Foram todos de carreira, subiram a colina e deram com o menino adormecido. Sobre ele, resguardando-o do fresco da tarde, estava uma grande pétala perfumada…
Este menino foi levado para casa, rodeado de todo
o respeito, como obra de milagre. Quando depois passava pelas ruas, as
pessoas diziam que ele saíra da aldeia para ir fazer uma coisa que era muito
maior do que o seu tamanho e do que todos os tamanhos. Este era o conto
que eu queria contar. Tenho muita pena de não saber escrever histórias para
crianças. Mas ao menos ficaram sabendo como a história seria, e poderão
contá-la doutra maneira, com palavras mais simples do que as minhas, e talvez
mais tarde venham a saber escrever histórias para crianças…
Quem sabe se um dia virei a ler outra vez esta
história, escrita por ti que me lês, mas muito mais bonita?...
Fundação José Saramago. 2013.
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