Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.
Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece."
“Coração Habitado”, in Poesia / Eugénio de Andrade. – 1ª ed. – Porto : Assírio & Alvim, 2017.
Imagem – Leonardo da Vinci, Estudo de mãos, 1474.
Imagem – Leonardo da Vinci, Estudo de mãos, 1474.
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