quinta-feira, 3 de março de 2022

O livro do mês

 "Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de 
              repente não sei se as águas nascem de mim, ou para mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o 
              próprio corpo do rio." (José Saramago)

Inês Fonseca Santos escreveu um livro sobre o autor de Memorial de Convento, especialmente pensado para os mais novos. "Homem-Rio" é assim uma biografia sobre José Saramago que pretende dar a conhecer a geografia do autor, naquilo que foram os fundamentos da sua vida em criança / adolescente e de como essa memória forjou os sinais da escrita que anos mais tarde haveriam de nascer.

Pegando nos significados associados a um rio, como nascente, margens, fluir, a autora fez uma associação com a escrita e sobretudo com a vida de José Saramago. O rio com os seus abraços sobre as margens inspirou a autora a desenhar esses diversos lados que foi a escrita de José Saramago e o contexto da sua própria vida. Se um rio pode ter muitos afluentes, um escritor pode ter muitas margens, todas aquelas que ele inventa e vive.

Assim, dos muitos Saramagos que existiram no corpo de escritor, a autora foi buscar o mais pequeno, "o miúdo Zé", o seu lugar e as suas características humanas e sociais. Assim, entre o vivido e o imaginado foi acrescentada a memória, como forma de recuperar uma experiência e um tempo. Habitando a cidade, essa memória foi a substância que formou em casa dos avós, nas planas águas do Ribatejo. 

"Homem-rio" apresenta-se como uma bonita ilustração a lembrar-nos uma novela gráfica e os seus desenhos juntam a memória de uma experiência com o futurismo das descobertas, com a distância a que muitas vezes deixamos os outros. As palavras em vez de naves espaciais, a linguagem em vez das coisas vistas e não compreendidas, não observadas. A palavra, como forma de exprimir uma ideia, uma vontade, um desenho, uma aspiração a lago mais sublime. 

Dessa palavra estão registadas formas de olhar as coisas, como uma casa onde se habita. A casa que como o rio corre livre e pode ser o lugar onde nos identificamos e que nos acolhe. A casa como expressão da liberdade, essa onde nasceram muitos outros escritores e que aguardam pela nossa voz, no  interior das suas palavras. Existem sonhos que apenas esperam tempo para nascerem, esses que juntam o real, o imaginado e a memória sempre à disposição do que formos capazes de criar.

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