segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Minutos de leitura

 

Certo dia, apareceu na horta do Tio Manuel Liró um grilo espantoso. Era verde, tão verde como as alfaces repolhudas que cresciam num pequeno canteiro ao cimo da horta. E em dias de sol e noites estreladas, punha-se a assobiar modinhas.

Os grilos que viviam por perto, como não eram verdes nem sabiam assobiar, acharam aquele vizinho esquisito, muito invulgar. Foram contar aos colegas que moravam por aquelas redondezas.

— VERDE?!

 — E ASSOBIA?!... PODE LÁ SER!

A notícia espalhou-se, andou de toca em toca, voou de lura em lura. Todos os grilos ficaram a saber das afrontas do parceiro que morava na horta do Tio Manuel Liró. Sim, afrontas! Ser-se verde e assobiador não eram coisas de grilo que se fizessem... Resolveram fazer-lhe uma visita para o convencer a mudar de farda e de música.

Numa tarde de domingo deixaram as luras que tinham nos quintais, campos, bouças e matas. Entraram na horta do Tio Manuel Liró e perguntaram ao companheiro:

— Porque não tens uma cor igual à nossa? Porque não cricrilas? Então o Grilo Verde respondeu-lhes:

— Se nasci verde, não posso ser preto. E se assobio é porque não sei fazer outra coisa. E vós — perguntou — porque não sois verdes e não sabeis assobiar como eu?

— Porque sempre fomos pretos e só sabemos cricrilar.

 — Então — concluiu o Grilo Verde — estamos empatados: se eu sou verde — vós sois pretos; se assobio — vós cricrilais. Para quê tanta preocupação?

 — Alto lá! — reagiram os grilos pretos — Esqueces-te que és o primeiro colega a fazer tamanhos disparates!

— E não será disparate ter cor preta e cricrilar?

 — Não venhas com bazófia. Por acaso já pensaste na confusão que vais criar?

 — Confusão!? — espantou-se o Grilo Verde — Eu?!...

 — Já pensaste que, se por acaso os homens te vêem, vão logo dizer aos seus amigos que há grilos que não são pretos e grilos que assobiam. Já pensaste nisso? E por tua causa todos os grilos do Mundo ficam desacreditados!

— Não vejo mal nisso. Mas dizei-me — pediu o Grilo Verde

E o Grilo Verde? Esse, empoleirou-se numa couve, e dando um suspiro de alívio, escondeu-se entre as suas folhas verdes, tenras e largas, deixando-se estar quieto, caladinho.

E o Tio Manuel Liró continuou a cavar o talho, mexendo-o de ponta a ponta. Grilos não viu. E voltou a cavar, cada vez mais furioso. Cavou, cavou, estrangalhou, revirou a terra e voltou a revirar... Mas como podiam aparecer grilos se já tinham dado à pata?!

Transpirado, corado, aborrecido, enervado, fatigado, o Tio Manuel Liró pensou: «Foram-se os grilos e foi-se o feijoal».

Exausto, voltou para a sombra da oliveira. Pegou no jornal, leu novamente as palavras de letras gordas, virou a folha, suspirou três vezes, esqueceu o incidente, fechou os olhos e adormeceu.

 António Mota, O Grilo Verde. Porto: Ambar: 1999.

Sem comentários:

Enviar um comentário