Certo dia, apareceu na horta do Tio Manuel Liró um grilo espantoso. Era verde, tão verde como as alfaces repolhudas que cresciam num pequeno canteiro ao cimo da horta. E em dias de sol e noites estreladas, punha-se a assobiar modinhas.
Os grilos que viviam por perto, como não eram verdes nem sabiam assobiar, acharam aquele vizinho esquisito, muito invulgar. Foram contar aos colegas que moravam por aquelas redondezas.
— VERDE?!
— E ASSOBIA?!... PODE LÁ SER!
A notícia espalhou-se, andou de toca em toca, voou de lura em lura. Todos os grilos ficaram a saber das afrontas do parceiro que morava na horta do Tio Manuel Liró. Sim, afrontas! Ser-se verde e assobiador não eram coisas de grilo que se fizessem... Resolveram fazer-lhe uma visita para o convencer a mudar de farda e de música.
Numa tarde de domingo deixaram as luras que tinham nos quintais, campos, bouças e matas. Entraram na horta do Tio Manuel Liró e perguntaram ao companheiro:
— Porque não tens uma cor igual à nossa? Porque não cricrilas? Então o Grilo Verde respondeu-lhes:
— Se nasci verde, não posso ser preto. E se assobio é porque não sei fazer outra coisa. E vós — perguntou — porque não sois verdes e não sabeis assobiar como eu?
— Porque sempre fomos pretos e só sabemos cricrilar.
— Então — concluiu o Grilo Verde — estamos empatados: se eu sou verde — vós sois pretos; se assobio — vós cricrilais. Para quê tanta preocupação?
— Alto lá! — reagiram os grilos pretos — Esqueces-te que és o primeiro colega a fazer tamanhos disparates!
— E não será disparate ter cor preta e cricrilar?
— Não venhas com bazófia. Por acaso já pensaste na confusão que vais criar?
— Confusão!? — espantou-se o Grilo Verde — Eu?!...
— Já pensaste que, se por acaso os homens te vêem, vão logo dizer aos seus amigos que há grilos que não são pretos e grilos que assobiam. Já pensaste nisso? E por tua causa todos os grilos do Mundo ficam desacreditados!
— Não vejo mal nisso. Mas dizei-me — pediu o Grilo Verde
E o Grilo Verde? Esse, empoleirou-se numa couve, e dando um suspiro de alívio, escondeu-se entre as suas folhas verdes, tenras e largas, deixando-se estar quieto, caladinho.
E o Tio Manuel Liró continuou a cavar o talho, mexendo-o de ponta a ponta. Grilos não viu. E voltou a cavar, cada vez mais furioso. Cavou, cavou, estrangalhou, revirou a terra e voltou a revirar... Mas como podiam aparecer grilos se já tinham dado à pata?!
Transpirado, corado, aborrecido, enervado, fatigado, o Tio Manuel Liró pensou: «Foram-se os grilos e foi-se o feijoal».
Exausto, voltou para a sombra da oliveira. Pegou no jornal, leu novamente as palavras de letras gordas, virou a folha, suspirou três vezes, esqueceu o incidente, fechou os olhos e adormeceu.
António Mota, O Grilo Verde. Porto: Ambar: 1999.
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