Agustina Bessa Luís, é um dos grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea. A Guimarães Editora considerou-a a maior escritora portuguesa. Agustina mais que uma escritora é uma força da natureza, uma respiração sublime sobre os elementos desconexos e contraditórios que é a própria vida. De uma lucidez desconcertante, a sua obra constrói uma catarse sobre o papel do homem na sociedade humana. Com ela descobrimos em diversos livros os alicerces históricos e biográficos de uma cultura, nomeadamente nos seus timings contemporâneos.
Se todos somos a circunstância geográfica e cultural do sítio onde nascemos e vivemos, a obra de Agustina é o produto de uma região. Conhecedora da comédia humana, encontra-mos nela aforismos representativos de uma simplificação da vida. Maria Ordoñes, nome onde se escondeu um universo literário e cultural complexo e deslumbrante, começou a sua viagem a 15 de Outubro de 1922. Filha de uma senhora de Zamora e de um pai que pertencia à aristocracia rural do Porto, viveu entre o campo e a cidade, ficando por esta fascinada. Estudou nas Doroteias e divertiu-se nos serões de espetáculos geridos pelo pai e que tanto recebia cinema, como cafés concerto. Aos vinte e dois anos escolheu marido num anúncio de jornal, onde “procurava corresponder-se com alguém inteligente e culto”. O afortunado, com quem partilhou a vida durante várias décadas, Alberto Luís, ordenou a sua escrita e deu-lhe letra de máquina.
Agustina, de coração amarantino, o que ousada e modernamente já tinha dado a Amadeo, os contornos de uma ambição futurista da vida, no sentido mais livre possível, deixou-nos em letras apertadas de cadernos manuscritos personagens e atmosferas que nos são familiares. Iniciou-se na escrita, com Mundo Fechado, de 1948 e teve em Sibilia, de 1954, o romance que lhe deu visibilidade. Soubemos há alguns anos, que no início da década de 40, a escritora concluía os até agora desconhecidos Ídolo de Barro e Deuses de Barro, dois livros assinados com nome de ressonâncias maternas: Maria Ordoñes. Ferreira de Castro dizia dela que praticava “a depuração das palavras” e Eduardo Lourenço, que escrevia com “a novidade de um olhar insólito veemente e desarmante”.
Escreveu como quem respira, em doses imensas de palavras e livros (mais de sessenta), em romances nada convencionais, o que somos como modo de ser. Dos seus textos saiu a matéria-prima de filmes, como Francisca, Vale Abraão ou o Convento. Participou na vida cívica de modo intenso, tendo dirigido o 1º de Janeiro e o Teatro Nacional D. Maria II. Disse-nos em entrevistas cheias de sabedoria, que gostando dos aplausos, prefere ter graça a ter fama e revela-nos que sendo conhecida, não é muito lida. Dá-nos os seus livros como memória de uma ideia, de uma forma de humanidade, pois uma longa vida não se descreve, pois ninguém a vê passar.
Agustina é uma escritora criadora de figuras de uma dimensão muito peculiar e tem-nos dado a voz de uma geografia física e humana capaz de compreender a relação do Homem com os mitos, o simbolismo dos seus valores. Criadora de palavras que nos conduzem a caminhos onde se identificam os percursos da Humanidade, acima do contexto histórico, na procura de uma identidade que o é por si.
Da sua obra de ficção, à poesia, ao teatro, às crónicas, ao livro de viagens, aos ensaios a sua obra é uma referência pelo sentido de humor das suas representações, mas pelo modo também frontal como nos faz encarar a realidade. Há nela a procura de entender o quotidiano usando uma sabedoria própria, tirada de uma determinada realidade, mas também uma imensa liberdade que se assume como essencial para se afirmar e descobrir. A liberdade como uma das mais belas concretizações do Homem, embora torneada de elementos nem sempre claros e construídos sobre si próprio.
Retemos dela uma ideia de uma luz de quem caminhou ao contrário, da maturidade para a infância, de quem nos ensinou que a vida é demasiado importante para ser levada a sério e que por isso nada mais difícil do que o gesto grave, a dureza do caminho, para os que procuram um lugar de felicidade, de conquista de individualidade. Por isso as fórmulas rápidas e fáceis são inexpressivas de qualquer verdade, pois em cada ser há uma respiração diferente. Nas suas obras, as mulheres de diferentes gerações revelam essa aspiração de humanidade, que condensam o que viveram, o que sonharam, em luta com o real sem se saber se se ousou o suficiente, se a afirmação foi suficiente para chegar a esse momento quase final em algo que se compreendeu.
Agustina Bessa-Luís é uma figura maior da nossa escrita, a que convidamos a descobrir e por isso ela foi escolhida para ser alvo de destaque como escritora do mês na Biblioteca. O seu olhar como figura humana pode ser encontrada biograficamente em muitos dos seus livros, como por exemplo em Sonho de Cão ou Dentes de Rato, entre outros. Destacamos pois Agustina, em Outubro, mês do centenário do centenário do seu nascimento em 2022, pela sua dimensão como figura da cultura portuguesa deste século e do passado. Pela escrita, pelos temas, pelo humor e por aquele sorriso de quem já parece ter percebido o sentido das coisas e por isso sorri para o horizonte, como a criança acabada de nascer. O final de Sibila dá-nos essa dimensão de uma forma clara.