"O silêncio é uma esteira onde nos podemos deitar.
Esteira de poeira cósmica, se eu olhar de novo o
céu escuro. Esse azul do céu me lembra o chão do mar. Um mar, afinal, é só um
deserto molhado, em vez de homens e camelos, tem peixes e canoas a passear
nele. O deserto é parecido com o mar, o mar é parecido com o universo cheio de
estrelas pirilampas."
Amanhecemos com a sua claridade. Vemos com ela os
recortes deixados na hora crepuscular e a sua luminosidade envolve-nos em
diferentes momentos do dia. Quase pensamos que com ela vemos o essencial e
sentimos em écrans de possíveis o que podemos imaginar. Associamo-la muito ao
que fazemos, nas rotinas que estabelecemos. Tem um simbolismo de quase verdade.
Existe, no entanto, na sua ausência todo um mundo
a descobrir, feito de sombras, de cheiros, de silêncio, onde o universo se
revela, onde os gestos se significam na escuridão. É nesta imensidão de noite
que melhor percebemos a dimensão infinita do Universo, e que de tão vasto
apenas o podemos acolher no coração, nos gestos que amamos, nos desejos mais
humanos.
A luz onde tentamos viver transmite-nos muito ruído,
muitos passos, largos caminhos em gestos apressados, pouco silêncio em linhas
onde ouvimos mal a respiração que nos aproxima, as ideias que queremos
partilhar. Na escuridão encontramos céus estrelados, universos de uma luz
diferente, onde o silêncio faz anunciar anjos, onde as mãos guardam o som
marítimo, os desejos dos sonhos impossíveis, do tempo redescoberto, inventado.
Na
escuridão os gestos individuais são caminhos para construir pontos de luz,
encontrar as memórias, as sombras perfumadas, desenhar contornos de mãos, os
sonhos a acontecer. A imaginação nasce aqui, da escuridão que se quer bonita,
da lua a descer nas estrelas, do perfume de abacate dos cabelos dela, do som do
cheiro da água e o coração. Do coração que se veste do azul límpido e do mar
habitado no sorriso, por onde a beleza se veste com as pálpebras da noite.
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