quinta-feira, 20 de maio de 2021

Livros do mês - 1.º Ciclo - maio (II)

 


No princípio, o mundo era só um.
Tudo era de todos,
ninguém pertencia a nada,
nada pertencia a ninguém.

Os animais caminhavam sem se
preocupar com o seu destino
ou com o seu regresso. Pois,
regressar para onde, se não havia
casas, nem lugares marcados?
Ia-se simplesmente andando,
comendo e dormindo onde calhava.

Como todos caminhavam,
ninguém levava nada consigo.
Ter coisas era incómodo por
causa do peso de as transportar
e o máximo que alguém carregava
era uma flor na lapela ou uma
pena no chapéu.

Mas um dia, nesse mundo
do princípio, tudo mudou.
Um urso passou junto a uma
figueira. Os figos eram o seu
fruto preferido, especialmente
aqueles que de tão maduros
até pingavam mel. (...)

Há já vários dias que sonhava
com figos e agora que se
cruzava com uma figueira,
nada!

Mas, ao dar uma volta completa
à árvore, o urso reparou que,
afinal, havia um figo quase maduro
escondido pela folhagem:
"Quanto tempo levará este figo
a ficar doce? Talvez um dia?
Amanhã por esta hora já o poderei
comer. É só uma questão de tempo. (...)

"Agora já percebi" disse o urso.
"Há figos que são para quem passa..."
"E há figos que são para quem espera"
acrescentou a lagarta.
"Pois é", disse o urso.
"E esses são os melhores que há."

Os figos são para quem passa / João Gomes de Abreu; il. Bernardo P. Carvalho. Carcavelos: Planeta Tangerina, 2016

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