segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

In Memorian: George Steiner

Era um continente de recordações, de uma herança cultural vasta e falou-nos do livro, da leitura, da linguagem como forma de construir significados. Conhecedor e utilizador de várias línguas, cultivava essa ideia de saber como uma expressão do coração, como um património interior. Professor em diversos sítios do mundo falou-nos do valor a perder-se do silêncio, do pensamento como forma de construir o real e de como a cultura se não souber ser assumidamente uma voz de coragem de nada serve. 

Os livros, disse-nos, vivem entre o que nos sugerem e o silêncio que soubermos romper do esquecimento, que afasta cada um de um quotidiano de dignidade. Por muito que a morte seja um sinal evidente da própria vida, fica esta impressão de continentes da memória perdidos entre a poeira dos dias. 

De Steiner, um excerto, de um dos seus livros, dos muitos que escreveu sobre os próprios livros e o poder da linguagem:

“A sensibilidade do escritor é livre quando é mais humana, quando tenta apreender e representar de novo a maravilhosa variedade, a complexidade e persistência da vida, através das palavras mais escrupulosas, mais pessoais, mais repletas do mistério da comunicação humana, que a linguagem lhe proporciona. O oposto exacto da liberdade é o estereótipo, e nada é menos livre, mais prisioneiro da inércia da convenção e da brutalidade vazia, do que uma sucessão de palavras obscenas. 

A literatura só é um diálogo vivo entre o escritor e o leitor quando o primeiro é capaz de assumir uma atitude de duplo respeito: respeito pela capacidade de imaginação do seu leitor, e, de modo complexo mas decisivo, respeito pela integridade, pela independência e pela substância vital das personagens que cria.

O respeito pelo leitor significa que o poeta ou o romancista convida a consciência do leitor a colaborar com a sua própria consciência no acto da representação. O escritor não diz tudo porque a sua obra não é uma cartilha para meninos de escola nem para deficientes mentais. Não esgota as respostas possíveis da imaginação do leitor, mas regozija-se com o facto de sermos nós a preencher, a partir dos nossos próprios recursos de memória e desejo, os contornos por ele delineados. “

George Steiner, Linguagem e Silêncio - Ensaios sobre a literatura a linguagem e o inumano. Lisboa: Gradiva, 2014

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