Era
um continente de recordações, de uma herança cultural vasta e falou-nos do
livro, da leitura, da linguagem como forma de construir significados.
Conhecedor e utilizador de várias línguas, cultivava essa ideia de saber como
uma expressão do coração, como um património interior. Professor em diversos
sítios do mundo falou-nos do valor a perder-se do silêncio, do pensamento como
forma de construir o real e de como a cultura se não souber ser assumidamente
uma voz de coragem de nada serve.
Os livros, disse-nos, vivem entre o que nos
sugerem e o silêncio que soubermos romper do esquecimento, que afasta cada um
de um quotidiano de dignidade. Por muito que a morte seja um sinal evidente da
própria vida, fica esta impressão de continentes da memória perdidos entre a
poeira dos dias.
De Steiner, um excerto, de um dos seus livros, dos muitos que
escreveu sobre os próprios livros e o poder da linguagem:
“A sensibilidade do
escritor é livre quando é mais humana, quando tenta apreender e representar de
novo a maravilhosa variedade, a complexidade e persistência da vida, através
das palavras mais escrupulosas, mais pessoais, mais repletas do mistério da comunicação
humana, que a linguagem lhe proporciona. O oposto exacto da liberdade é o
estereótipo, e nada é menos livre, mais prisioneiro da inércia da convenção e
da brutalidade vazia, do que uma sucessão de palavras obscenas.
A literatura só
é um diálogo vivo entre o escritor e o leitor quando o primeiro é capaz de
assumir uma atitude de duplo respeito: respeito pela capacidade de imaginação
do seu leitor, e, de modo complexo mas decisivo, respeito pela integridade,
pela independência e pela substância vital das personagens que cria.
O respeito pelo
leitor significa que o poeta ou o romancista convida a consciência do leitor a
colaborar com a sua própria consciência no acto da representação. O escritor
não diz tudo porque a sua obra não é uma cartilha para meninos de escola nem
para deficientes mentais. Não esgota as respostas possíveis da imaginação do
leitor, mas regozija-se com o facto de sermos nós a preencher, a partir dos
nossos próprios recursos de memória e desejo, os contornos por ele delineados. “
George Steiner, Linguagem e Silêncio - Ensaios sobre a
literatura a linguagem e o inumano. Lisboa: Gradiva, 2014
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