terça-feira, 30 de maio de 2023

Filosofia para / com crianças - O real e o imaginado


  A Filosofia para ou com crianças tenta ser um espaço à volta das perguntas que podem ser suscitadas por uma história ou por uma imagem. Nos segundos anos tentou-se partir de um pequeno conto, de Valter Hugo Mãe, "Modo de amar" para pensar que perguntas poderiam ser feitas pelas crianças e como as pensar no grupo da turma.

   "Eu queria era ter um cão, mas a minha mãe diz que os cães fazem muito barulho a ladrar e que, por vezes, mordem. Diz também que se tivermos um cão durante muito tempo ficamos com a cara parecida com o seu focinho. A mim custa-me acreditar, mas é isso que a minha mãe me responde. Nem imagina o quanto fico infeliz, parecido a ter vazios por dentro.

Eu pedi:
- E se tivéssemos um gato? Um gato, nem que seja pequeno, para eu brincar:
   E a minha mãe respondeu:
   - Um gato, nunca. Larga pelo e afia as unhas nos cortinados.
   - Oh, mãe, um gato quase nem precisa de de gente, vive sozinho com o seu nariz. E se fosse um peixe? Um coelho?...
   - Os peixes entristecem num aquário e os coelhos trincam-te os dedos. Nem pensar. Os bichos todos trincam, meu filho. São um perigo.

  Durante uma noite, a sonhar muito com estas coisas, comecei a ouvir piar. Parecia-me um pintainho (...) Sempre a sonhar, fui à janela e pensei em acordar.(...) Percebi, tinha de ser um pássaro, um canário que andava no meu sonho a voar. Se pudesse acordar, pensei, pedia à minha mãe um canário.

 Julgava eu que aquilo era um bicho no sonho quando acordado já de manhã, o continuava a escutar. E para a escola e depois no caminho de volta, e durante o dia inteiro, ininterruptamente o pássaro cantava.

   Eu disse:

   - Mãe, acho que fiquei despreocupado de lucidez. Ouço sempre um pássaro a cantar. Talvez só me cure se aprender a voar.    A minha mãe sorriu e eu repeti:
   - Quem se vê proibido de amar inventa outra realidade., uma realidade melhor, ainda que seja por fantasia. Vivo na fantasia. mãe.
   Depois, calei-me. Sabia perfeitamente o que acontecera. Tinha um pássaro no coração. Era, assim mesmo, o lugar mais decente para aprisionar um animal de estimação."

"Modo de amar", in Contos de cães e maus lobos" / Valter Hugo Mãe. Porto: Porto Editora, págs. 104/05.

A partir do conto foram feitas pelas crianças diversas perguntas:
1. o real e o imaginado são diferentes?
2. O que se imagina é real, existe?
3. O sonho é uma maneira de imaginar?

Após o diálogo foram realizadas algumas ilustrações sobre esse pássaro imaginado por cada um e que pergunta lhe poderia ser feito. Alguns exemplos na próxima publicação....

Sem comentários:

Enviar um comentário