segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Um poema - Cântico

"Quando abriram a porta, depararam com uma bela visão, adequada à época do ano. No pátio da entrada, à luz ténue de uma lanterna, estavam cerca de oito ou dez ratos-do-campo dispostos em semicírculo, de cachecóis de lã vermelha em volta do pescoço, com as patas da frente bem enfiadas nos bolsos e os pés a saltitar em busca de algum calor. De olhos vivos e atentos, olhavam uns para os outros com timidez, rindo um bocadinho, fungando um pouco e usando as mangas dos casacos muito mais. Quando a porta se abriu, um dos mais velhos, que segurava a lanterna, estava mesmo a dizer "Pronto, agora, um, dois, três!" e, de seguida, as suas vozinhas agudas ergueram-se no ar, cantando um dos antigos cânticos que os seus antepassados tinham composto em campo de pousio tomados pela geada ou à lareira, isolados por um nevão, e que lhes tinham sido transmitidos para os cantarem nas ruas lamacentas em frente de janelas iluminadas, na época de Natal.

Cântico

Ó povo da aldeia, mau grado a geada,
Abri os cancelos de frente prá estrada,
O vento virá e a neve também,
Mas junto à lareira chamai-nos por bem;
E seja feliz a vossa manhã!
 
Aqui estamos nós à chuva e ao granizo,
Com os pés neste solo tão gélido e liso,
Viemos de longe para vos saudar - 
Estais vós à lareira e nós a o luar;
Que sejam felizes na vossa manhã!
 
Inda nem metade da noite passava,
Lá estava uma estrela que bem nos guiava,
Chovendo venturas e bençãos também,
Pro dia seguinte e outros vêm:
 
O Zé Lavrador pela neve singrava
E viu sobre o estábulo que a estrela baixava,
Maria mais longe que aquilo não ia,
Ao colmo e à liteira ali se acolhia;
E a ela a ventura chegou pela manhã!
 
E os anjos diziam com voz celestial
"Quem foi que primeiro proclamou Natal? 
E já os animais, como um só, se alegravam,
No estábulo pobre onde juntos moravam!
Felizes serão por aquela manhã!"
 
 O vento nos salgueiros / Kenneth Grahame. Lisboa: Relógio d´água, 2017
Ilustrações de Carol of the Field Mice.


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