terça-feira, 7 de março de 2023

Esposende - Agustina e Eugénio

 Agustina Bessa-Luís e Eugénio de Andrade celebram este ano o centenário do seu nascimento. A semana da leitura organiza um conjunto de atividades à volta da sua obra e via literárias. Esposende foi um local geográfico e humano onde os dois escritores passaram momentos da sua vida. Agustina viveu nos anos sessenta quatro em Esposende e Eugénio frequentou diversas vezes os espaços da costa, entre Esposende, Apúlia e Fão.

Agustina


«Vivíamos então em Esposende, numa pequena casa de praia que comprámos à senhoria, uma senhora não sei se dinamarquesa. Foram quatro anos em que escrevi muito e conheci dias bons com o mundo e comigo mesma. Minha filha estava no colégio interna, meu marido advogava no Porto e saía de tarde, voltando à noite, ficando eu e os gatos numa espécie de encantamento, a ouvir o suspiro do mar. Vinha à porta o carrinho da fruta, e a mulher que vendia dizia: «não sei como se dá nesta pasmaceira». Para ela toda a boa fruta era do Douro, inclusive as bananas. Não passava ninguém na rua, os tamarindos vergavam com o vento. A peixeira Cravelha ensinou-me a tirar a pele às azevias.»

 Fonte:

O livro de Agustina : uma autobiografia / Agustina Bessa-Luís . - 2ª ed. - Lisboa : Guerra e Paz.

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«Esposende tinha duas almas: a do sul, que era piscatória, e a do norte, que era banhista. Uma era feita de gente natural e misteriosa, com dramas e alegrias rápidas, como se um vento cínico e audaz, vindo de muito longe, talhasse a sua história. A alma do sul já existia quando o reizinho D. Sebastião jogava às laranjas com os seus cortesãos – e as comia. Porque o príncipe era guloso; em apetites de mesa e arrancadas de estribo perdeu a vida, e nós a independência e a lei dela. O que lá vai lá vai!

Quando eu fui pela primeira vez a Esposende, achei que sucedia alguma coisa de solene; como um rito. Era em Julho. Nas noites em que o calor abrasava, vinha do rio um hálito de vasa. Como se o princípio do mundo rompesse o cristal das areias e borbulhasse uma vida espessa e cega, no lodo.»

 Memória de Esposende. In Vila e concelho de Esposende no IV centenário 1572-1972 / Agustina Bessa-Luís.
Imagem: Copyright - Biblioteca Municipal de Esposende

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