"Desvendar as sombras"
Sophia de Mello Breyner Andresen é o nome em destaque em novembro nas Bibliotecas. Sophia, nome maior das letras e da cidadania fez da sua vida um encantamento por esse amor antigo e futuro de todas as ideias, concedeu-nos as palavras da pura claridade, o dia inicial criado do caos para nos harmonizar com o real. Sophia é um nome, uma paisagem, uma forma de olhar que tem inspirado sucessivas gerações a descobrir no real, uma forma de divindade por onde as suas palavras respiram assombradas pela sua essência de simplicidade. Deu-nos uma respiração de coral e nela vemos a tão difícil, mas tão necessária, dimensão da autenticidade nos gestos e nas palavras.
As palavras são, em Sophia, não uma descrição planeada ou imaginada do real, mas sim a descrição do olhar, o concreto onde sobressai a nossa dimensão humana. Com a sua arte poética e narrativa, temos uma escrita muito preocupada com os limites da existência humana, de onde emerge em simplicidade um encontro com a Natureza e em especial com o mar. Sophia deu-nos uma obra literária marcada pela poesia, pelos contos, onde fez nascer um imaginário de conhecimento das imagens que nos levam ao real, à procura de uma essência do humano.
Da sua obra, destacam-se a poesia, como forma primeira de uma expressão da palavra, na respiração do mundo, e os contos, em que muito do seu imaginário foi levado a crianças mais jovens. Na poesia, publicou diversos títulos, como No tempo dividido, Coral, Navegações, Ilhas, O nome das coisas, onde o deslumbramento pela palavra, a extrema sensibilidade e clareza tentam encontrar campos e horizontes de felicidade, numa procura de uma dimensão humana que se afirma acima de qualquer tempo. A obra de Sophia procurou ligar-nos ao real e à procura do que foram os elementos fundadores da nossa natureza humana.
A luz que ela nos deu é clara e transparente como as manhãs nascidas de um tempo novo, não numa dimensão política, da usura de títulos, mas a de uma nobreza feita da que procura dialogar consigo própria, a da manhã branca, onde a claridade emerge de um dia alvo, desenhado e vivido de possibilidades que o real nos concede. As suas palavras deram-nos uma estética do maravilhoso, de quem se espanta pelo assombro do mundo, pela sua beleza e injustiça, num compromisso autêntico, livre e sublime, com a respiração que nos pode fazer herdeiros da maior inteireza possível.
Conduziu-nos pela maresia, falou-nos dessa primeira liberdade, correu com o vento para que nós também sentíssemos a questão inicial, o sopro vivo da palavra comprometida. Infelizmente, nós não a compreendemos e temos muitos exemplos desta destruição pelo valor da palavra, onde a construção de uma comunidade se vê isolada da sua substância mais vital. Resta-nos com ela absorver o seu maior legado. O coração e as palavras que são sempre novas todos os dias, pois elas procuram construir um equilíbrio. Aquele que se sobreponha aos labirintos e ao caos, desvendando as sombras que no real nos afastam da essência. Palavras, como instrumentos para podermos abordar os dias, reconquistando um real a esse caos, tantas vezes usado e criado por desleixo e falta de vontade humana.
As suas palavras são uma permanente iluminação, por onde se busca a mais perfeita claridade. Sophia criou um reino, uma linguagem que se exprime na sua Poesia, como uma forma de tornar possível, de fazer nascer um real onde se fragmentam os nossos passos de sol nas ondas de azul. Os seus contos infantis e juvenis estão cheios desses valores que importa continuar a conhecer e a amar como um sinal de um divino em cada pessoa, em cada rosto.
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