terça-feira, 8 de outubro de 2019

Apresentar um livro (VI)


 O romance que imortalizou Macondo e Gabriel Garcia Marquez, seu criador


Não era propriamente um rapaz novo quando li pela primeira vez a obra “Cem Anos de Solidão”. Sabendo do meu gosto pelos livros, já vários amigos me haviam aconselhado a sua leitura. Mas tanto não seria preciso: o livro em apreço é um daqueles que fazem parte da história da literatura universal, um dos títulos de que praticamente todos ouviram, em algum momento, falar. Eu, porém, fui adiando esse momento, como quem guarda religiosamente um vinho de excelência para uma data especial. Até que um dia peguei na obra e avancei.
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo”. Li o primeiro parágrafo e parei – nunca as primeiras linhas de um livro mexeram tanto com a minha sensibilidade e condicionaram de forma tão marcante a leitura do que se seguiria. Escusado será dizer que não descansei até chegar a essa passagem precisa em que um dos personagens mais determinantes da narrativa foi confrontado com a morte – não seria, porém, a primeira vez, nem seria a última.
Seguiram-se mais de trezentas páginas de autêntico deleite literário proporcionado pelas fantasias, tragédias, obsessões, rebeldias, incestos, adultérios, descobertas e condenações que envolveram a família Buendia-Iguarán, ao longo de sete gerações, numa torrente incessante de acontecimentos, que, por vezes, me obrigou a suspender a leitura para melhor assimilar tanta informação.
Com o livro viajei por Macondo – essa cidade mítica criada pela imaginação prodigiosa de Gabriel Garcia Marquez – sem sair do lugar, viajei por uma América do Sul, de ditadores e gente sonhadora, tão magistralmente retratada pelo autor, mergulhei numa dimensão onde realidade e ficção se misturam sem se saber onde termina uma e começa outra – aquilo a que os entendidos designam por realismo mágico.
A partir daqui não descansei enquanto não percorri, um a um, todos os livros do autor, num total de vinte e um, e no final senti essa orfandade que se depara quando nenhum mais há para abrir e para ler pela primeira vez. Consola-me o facto de, se a vida o permitir, haver sempre uma segunda oportunidade, porque, como dizia Sophia de Mello Breyner, não havendo tempo para lermos todos os livros de que gostaríamos, devemos ao menos reler os que nos fazem felizes.
Com “Cem Anos de Solidão” Gabriel Garcia Marquez abriu caminho rumo ao Prémio Nobel da Literatura - que viria a receber em 1982 - e, mais significativo para mim, alcançou um lugar ímpar na galeria onde figuram apenas os maiores escritores de todos os tempos, os maiores artistas, os maiores intérpretes, aqueles a quem o talento assistiu de forma invulgar e avassaladora.
“Cem Anos de Solidão” não é apenas um romance: é, sem dúvida, um monumento universal, uma ode ao talento, à imaginação e à capacidade criativa de um autor que o destino condenou, não a cem anos de solidão, mas à eternidade do tempo.


Professor Carlos Gouveia da Silva

 Cem anos de solidão / Gabriel García Márquez : trad. Margarida Santiago. - 1º ed. - Alfragide : Leya, D.L. 2018. - 383 p. ; 19 cm. - Tít. orig.: Cien anos de soledad. ISBN 978-989-660-515-5

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