O Natal presta-se a muitas evocações por ser um momento especial, porque faz sentir em cada um algo bonito, dedicado, sensível. Um encontro com os outros, com a ideia de solidariedade para dar aquilo que faz falta, aquilo que faz bem ao coração. É um tempo em que a respiração dos outros parece o mais importante, como se fosse necessário esse reconhecimento de cada um em nós. É um tempo com uma iconografia de simplicidade, de cor, de alegria. Na verdade, apenas as crianças o parecem viver de um modo mágico, pois elas são dadas a viver o que acontece sem preocupações com o que o dia seguinte trará. E talvez fosse de perguntar porque sendo uma data fundadora de uma ideia de civilização, por que não pode durar todo o ano? Seria possível? Um poema de David Mourão Ferreira sobre essa possibilidade que parece talvez dependente de uma ideia cultural construída nas emoções e no cuidado. Talvez fosse de pensar nisso mais do que dois ou três dias.
"Entremos, apressados,
friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada."
"Natal e não Dezembro, in Cancioneiro de Natal / David - Mourão Ferreira, Lx: Rolim, 1986.
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