Luís Sepúlveda deixou-nos uma obra que vale muito como um exemplo de resistência pelos sonhos e pela descoberta de territórios esquecidos. Da sua obra é visível uma ética sobre os valores humanos, capaz de dar voz ao esquecimento e o que mais importa na vida. Um excerto do último livro que publicou. Obrigado por tantas aventuras em tantos movimentos fascinantes pelo natural.
“Numa manhã do verão austral de 2014,
muito perto de Puerto Montt, no Chile, uma baleia encalhou a costa de seixos.
Era um cachalote de quinze metros de comprimento e o seu corpo, de uma estranha
cor cinzenta, não se movia.
Alguns pescadores acharam que talvez
se tratasse de um cetáceo desorientado; outros sugeriram que, provavelmente,
tinha ficado intoxicado com todo o lixo que se atira para o mar. E um silêncio
carregado de tristeza foi a homenagem de todos os que rodeávamos o grande
animal marinho sob o céu do Sul do Mundo.
O cachalote ficou ali umas duas
horas, embalado suavemente pelas ondinhas da baixa-mar, até que uma embarcação
se aproximou, fundeou a pouca distância e alguns homens se atiraram à água,
munidos de cordas grossas que amarraram
à barbatana caudal, ou cauda do animal, e depois, muito lentamente, a
embarcação deu a proa ao sul, arrastando o corpo sem vida do gigante marinho.
- O que farão com a baleia? – perguntei a um pescador que, com o seu
gorro de lã nas mãos, via afastar-se a embarcação.
- Respeitá-la . Quando chegarem ao mar alto, passada a saída sul do
golfo, abrem-lhe o corpo, esvaziando-o para que não flutue, e deixam-na
afundar-se na escuridão fria do oceano – respondeu em voz baixa o pescador.
Depressa a embarcação e a baleia desapareceram entre o perfil incerto
das ilhas, e as pessoas afastaram-se da costa. Mas ficou um menino, a olhar
fixamente para o mar.
Aproximei-me
dele. Os seus olhos de pupilas escuras prescrutavam o horizonte e duas lágrimas
desciam-lhe pelo rosto.
- Eu também estou
triste. És daqui? – perguntei, em jeito de cumprimento.
O menino
sentou-se na praia de seixos antes de
responder, e eu fiz o mesmo.
- Claro. Sou lafkenche. Sabes o que significa? –
perguntou.
- “Gente do mar” –
respondi.
- E tu, porque
estás triste? – quis saber o menino.
- Por causa da
baleia. Que lhe terá acontecido?
-- Para ti é uma
baleia morta, mas para mim é muito mais do que isso. A tua tristeza e a minha
não são iguais.
Permanecemos em
silêncio durante um tempo medido pelas ondas que iam e vinham, até que ele me
ofereceu um objeto maior do que a sua mão.
Era uma concha de loco, um caracol marinho muito apreciado, com uma
concha exterior rugosa, pétrea, e o interior branco como uma pérola.
- Encosta-a ao teu ouvido e a baleia falará contigo – disse o pequeno lafkenche, afastando-se com grandes
passadas pela praia escura de calhaus.
Foi o que fiz. E, sob o céu cinzento do Sul do Mundo, uma voz falou
comigo na velha língua do mar."
História de uma baleia branca / Luís Sepúlveda. Porto: Porto Editora: 2019
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