quinta-feira, 2 de abril de 2020

Dias de quarentena - No dia mundial do livro infantil


A fome de palavras como um elemento capaz de alimentar a imaginação e no fundo a vida e a relação com os outros. O texto publicado no IBBY para este dia é sobre issso, no dia mundial do livro infantil.

"Onde eu moro, os arbustos ficam verdes no final de abril ou no início de maio e logo são povoados por casulos de borboletas. Eles se parecem com maços de algodão ou algodão doce, e as larvas devoram folha após folha até que os arbustos estejam despidos. Quando crescem e estão já desenvolvidas, as borboletas voam para longe, no entanto, os arbustos não foram destruídos. À medida que o verão chega, eles ficam novamente verdes.
Esta é uma imagem de um escritor, uma imagem de um poeta. Eles são devorados, secos por suas histórias e poesias que, quando terminam, voam para longe, se fixam em livros e encontram o seu público. Isso acontece continuamente. E o que acontece com esses poemas e essas histórias?

Eu conheço um garoto que teve que fazer uma cirurgia ocular. Por duas semanas após a operação, ele só foi autorizado a ver pelo seu lado direito, e depois disso não lhe foi permitido ler nada durante um mês. Quando finalmente pegou num livro depois de uma ausência de um mês e meio, sentiu como se estivesse pegando palavras de uma tigela com uma colher. Como se ele as estivesse a comer.

E eu conheço uma garota que cresceu para ser professora. Ela disse-me: crianças que não cresceram tendo momentos de leitura com os seus pais estão empobrecidas.
As palavras na poesia e nas histórias são na verdade comida. Não é alimento para o corpo, não é alimento que pode encher o estômago. Mas é comida para o espírito e para a alma.
Quando alguém está com fome ou com sede, o estômago se contrai e a boca fica seca. Quem está asssim procura qualquer coisa para comer, como um pedaço de pão, uma tigela de arroz ou milho, um pouco de peixe ou uma banana. Quanto mais famintos crescem, mais estreito se torna o seu foco, tornando-se cegos para tudo, menos para a comida que poderia saciá-los.

A fome de palavras manifesta-se de maneira diferente: como a melancolia, o esquecimento, ou a arrogância. As pessoas que sofrem desse tipo de fome não percebem que elas próprias estão tremendo de frio, que estão passando pela vida sem se darem conta disso. Uma parte do mundo dessas pessoas está fugindo delas próprias sem que elas tenham consciência disso. Esse tipo de fome é saciado pela poesia e pelas histórias.

Mas há esperança para aqueles que nunca se entregaram a palavras para satisfazer essa fome?
Há, sim. O menino que lê quase todos os dias. A garota que cresceu para ser uma professora e que lê histórias aos seus alunos. Todas as sextas-feiras. Todas as semanas. Se ela se esquecer, as crianças certamente a lembrarão.
E o que dizer do escritor e do poeta? Quando o verão chegar, eles ficarão novamente verdes. E novamente, eles serão devorados pelas suas histórias e pelos seus poemas que, de imediato voarão em todas as direções. Uma vez e outra, uma vez e outra....continuamente..."

Peter Svetina, “Uma fome de palavras”, International Children’ book 2020”, (via https://www.ibby.org/awards-activities/activities/international-childrens-book-day/2020-icbd-slovenia)

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