quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Memória e Civilização - O Holocausto

É a narrativa mais difícil de explicar. De certo modo é inexplicável, pois pretende compreender o impossível. Um impossível que nos remete a nós todos para a dimensão não humana, a prática de qualquer coisa que não nos torna sequer criaturas de Deus. Acreditámos muitas vezes em caminhos redentores de magia - o conhecimento e a cultura para nos resgatar de uma dimensão de animalidade. Caminho errado e sem respostas. Acreditámos que o bom senso reuniria todos os jovens corações pelo bem, pelo aceitável. Outro erro. 

Inspirámo-nos em velhos manuais de História, de Economia, de Cultura e Civilização para explicar este mal absoluto do espírito convencidos que há sempre uma racionalidade em cada gesto. Outro erro. Inspirámo-nos em velhas crenças que a maldade só era servida por figuras de segundo plano e votados ao insucesso. Outro erro. O mal pode ser servido por génios. E como se transformam pessoas de bem em condutoras de uma religião de morte? Cultura, civilização, pensamento, onde se distinguem quando são construção do saber e ideologia, a propaganda do poder absoluto sobre tudo, incluindo a vida?

Na total incapacidade para explicar o inexplicável, a indiferença de tantos para com o sofrimento, incluindo os que se dedicavam ao estudo de um Homem e de uma Humanidade sem rosto, um filme para ver essa raridade que foi o compromisso para com a vida no interior da Alemanha nazi. A rapariga que roubava livros, um filme a partir de um livro. Um filme sobre a coragem, a esperança de renovar a vida e o papel dos livros para iluminar a vida. 

O trail do filme, baseado num livro que vale a pena descobrir.

Uma obra de arte - Um Auriga

 

"Nas suas mãos a voz do mar dormia 
  Nos seus cabelos o vento se esculpia 
  A luz rolava entre os seus braços frios 
  E nos seus olhos cegos e vazios 
  Boaiava o rasto branco dos navios." (1)

“É a coisa mais bela da terra, uma fila de cavaleiros” diz. “Não, de infantes”. “Não, de navios”. E eu penso, belo é o que se ama. Fazê-lo compreender é coisa muito fácil, para cada um. Helena, que via a Beleza de muitos, escolheu como seu homem e o melhor aquele que apagou a luz de Tróia: esqueceu a filha, os pais, e foi para longe, para onde quer Cípris, porque o amava. […] Quem é belo, é-o enquanto está debaixo dos olhos, quem também é bom, é-o agora e sê-lo á depois”. (2)

A beleza é uma ideia, uma abordagem de valores e uma representação. A Civilização Grega construiu um conceito para exprimir o belo. Chamou-lhe a Kalokagathía e tem em si um ideal do belo dos gregos que procurava harmonizar a alma com o corpo, a forma com o espírito. Os artistas tiveram um papel muito importante na sua edificação material.

 A ideia de belo define-se melhor com a aproximação do século V a.C., pois a ascensão económica e cultural de Atenas permite-lhe ter uma noção mais clara do seu sentido estético. A vitória sobre os Persas no tempo de Péricles permitiu desenvolver de modo significativo as Artes, e, como já vimos, com destaque para a pintura e a escultura. A reconstrução da cidade, dos seus templos era também uma forma de revelar um orgulho do poder ateniense e permitiu dar um incentivo ao trabalho dos artistas.

A Civilização Grega tem em si outras razões para essa explosão artística. A técnica das artes figurativas gregas é de enorme alcance. A arte grega superou em muitos aspetos a arte da Terra dos Faraós. A arte grega faz uma aproximação entre a sua representação e a vida dos gregos. Tal não acontecia no Egipto dominado por uma arte virada para a abstração e organizada de uma forma muito disciplinada. 

Na  arte grega a escultura procura a expressão de um belo que se observe nos corpos representados. Os grandes nomes da escultura grega (Fídias, Míron e Praxíteles) procuram realizar um equilíbrio entre uma representação que seja realista, nas formas humanas e o respeito por um cânone (kánon) específico.

A escultura grega não constrói uma abstração, uma idealização de belo, mas apenas tenta encontrar o que pode ser classificado como uma Beleza ideal. A escultura grega tenta uma síntese em corpos vivos, onde o belo conjuga uma ideia de corpo e alma. A beleza na Grécia Clássica aspira a representar o esplendor do corpo numa estrutura que projete igualmente a bondade, os valores do espírito. Esse ideal, conhecido com o nome de Kalokagathía teve a sua expressão maior nos versos de Safo e nas esculturas de Praxíteles.

A escultura grega não busca os pormenores da representação. Ela revela com grande preocupação sua, uma representação de formas humanas. Nestas, um pequeno fragmento de movimento ou uma seção de uma ação encontra um equilíbrio e por isso a sua própria essência. Esta reside na simplicidade expressiva, mais do que nos pormenores. Houve algumas exceções, mas elas não representaram o essencial desta ideia grega, a expressão do belo.

(1) - "A Estátua" in No tempo dividido / Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa: Caminho. 
(2) - Poesia de Safo (séculos VII-VI a.C.), in Hélade: antologia da cultura grega / org. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Guimarães. 
Imagem: Auriga, século V a.C., Museu Arqueológico de Delfos.

Memória e Cidadania

 

A democracia trouxe consigo um conjunto de possibilidades à participação dos cidadãos na construção de uma comunidade alargada de pessoas com valores, direitos e deveres. A partir da escolha de algumas palavras (política, cidadãos, constituição, Estado, Nação, democracia, liberdade) foram discutidos com os alunos num formato de diálogo o que estes conceitos representam para a sociedade e como nos afetam como cidadãos.

A partir destes conceitos foi realizada um diálogo muito interessante sobre o país que somos, nas suas características de representação, o tipo de organização permitido pela Constituição e que poderes estão organizados e quem os exerce. Referiram-se os diferentes tipos de Estados e o que a Democracia, como sistema de representação exige dos seus cidadãos.

A partir, do livro, o meu primeiro livro de política de Jorge Sampaio discutiu-se um pouco a diferença entre as monarquias e as repúblicas, como estas influenciam ou não a ligação aos eleitores e porque há um claro afastamento das pessoas aos atos eleitorais. Como somos representados, que mecanismos existem, que valor tem a comunidade na decisão de viver num país e de como a influenciar foram algumas das ideias refletidas.

O conceito política revelou-se pouco atrativo para os jovens, o que foi aproveitado para discutir, como a desilusão das pessoas deve ser relativizada por aquilo de positivo que somos como sociedade. Informação e literacia, leitura e pensamento crítico são elementos para fundar uma sociedade mais participada e esses foram pontos destacados junto dos alunos.

As professoras Luísa Lages e Carolina Faria participaram nesta sessão feita na Biblioteca, tendo dado um contributo muito substantivo para a exploração da temática - cidadania e representação política e social. A sessão procurou incentivar o valor do conhecimento, do estudo, da leitura para que em cada comunidade mais pessoas saibam ler a informação. A literacia torna-se essencial para que cada um possa participar em decisões locais e  igualmente possa realizar escolhas mais conscientes em função daquilo que são as preocupações quotidianas de cada um.

A sessão foi feita com a turma do 7.º FB e foi ainda destacado o dia 27 de janeiro de 1945 e a libertação do campo de Auschwitz e aquilo que representou para milhões de judeus. A sessão foi encerrada com a leitura de um excerto de José Saramago, "As Palavras", retirado da sua obra, Deste Mundo e do Outro. Os alunos participaram com bastante empenho, tendo sido muito participativos.

Um poema - Que é voar


Que é voar?

É só subir no ar,
levantar da terra o corpo, os pés?
Isso é que é voar?
Não.

Voar é libertar-me,
é parar no espaço inconsistente
é ser livre, leve, independente
é ter a alma separada de toda a existência
é não viver senão em não-vivência.
E isso é voar?
Não.

Voar é humano
é transitório, momentâneo…
Aquele que voa tem de poisar em algum lugar:
isso é partir
e não voltar.

Ana Hatherly, ‘Que é voar’. Poesia 1958-1978.

Literatura e Cidadania (o Holocausto)



9 de julho de 1933

Mr. Max Eisenstein 
Sculse-Eisenstein Galleries
San Francisco
California, U.S.A.

   Caro Max,
   Como deves ter reparado, estou a escrever-te no papel timbrado do meu banco. Tem de ser assim, pois tenho um pedido a fazer-te e queria evitar a nova Censura que é extremamente rigorosa. Temos de nos deixar de escrever por uns tempos. (...)

   Quanto às medidas implacáveis que tanto te afligem, posso dizer-te que também eu a princípio não as apreciava, mas depois acabei por reconhecer serem infelizmente necessárias. A raça judia é uma chaga dolorosa em qualquer nação que lhe dê abrigo. (...)

   O judeu é o  bode expiatório universal. Isto não acontece por acaso. (...) Mas os problemas com os judeus não passam de um incidente. Passa-se algo de muito mais importante.
   Quem me dera poder mostrar-te, poder fazer com que visses... o renascimento da nova Alemanha guiada pelo nosso amado Chefe! Um povo tão grande não podia jazer eternamente subjugado pelo mundo. Vivemos catorze anos e cabeça baixa com a derrota. (...)

   Ao mesmo tempo que o escrevo, a arder de entusiasmo com esta nova visão, convenço-me que não compreenderás até que ponto tudo isto é necessário para a Alemanha. Verás apenas os problemas do teu próprio povo. Não verás que alguns terão de sofrer para que milhões se salvem. Antes de mais irás mostrar-te um judeu, em lamúrias pelo teu povo. É uma coisa que compreendo. Faz parte do carácter semita. Lamentam-se, mas mostram-se incapazes de ripostar. É por isso mesmo que há progroms. Há movimentos que são muito maiores do que os homens que os desencadeiam. Pela minha parte, faço parte do movimento. (...)

Toda a maré da vida de um povo muda incessantemente por ter surgido um homem de ação. E eu junto-me a ele. Não me limito a ser levado pela corrente. Deixo para trás a vida inútil, feita de palavras sem nenhuma realização. Sou um homem porque ajo. Antes disso não passava de uma voz. (...) Os homens são arrastado para o mal com tanta alegria e entusiasmo.

Somo cruéis. Claro que somos cruéis. Tal como todos os nascimentos são brutais, também o é este nosso novo nascimento. Mas nós rejubilamos. A Alemanha levanta a cabeça bem alto entre as nações do mundo. Segue o seu Glorioso Chefe rumo ao triunfo. Que podes tu saber disto, tu que te limitas a ficar sentado a sonhar? 
Nunca viste Hitler. É uma espada desembainhada. É uma luz brilhante, mas tão ardente como o sol de um dia novo.

   Tenho de insistir para que não me voltes a escrever. 
   Como deves ter compreendido, não temos já muito a ver um com o outro.
   Martin Schulse

Dia internacional da memória das vítimas do Holocausto

 O Holocausto by BibliotecasAears on Scribd

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O livro do mês

 

"Nunca nenhum de nós se tinha encontrado numa situação tão perigosa como a da noite passada. Deus protegeu-nos. Imagina a Policia a remexer na estante da nossa porta giratória, iluminada pela luz acesa, sem dar connosco! Em caso de invasão, com bombardeamentos e tudo, cada um de nós pode responder por si próprio. Neste caso, porém, não se tratava só de nós, mas também dos nossos bondosos protectores.

Estamos salvos. Não nos abandones! É apenas isto que podemos suplicar.Este acontecimento trouxe consigo algumas modificações. O sr. Dussel já não trabalha à noite no escritório do Kraler mas sim no quarto de banho. Às oito e meia e às nove e meia o Peter faz a ronda pela casa. Já não pode abrir a janela durante a noite. Depois das nove e meia não podemos utilizar o autoclismo do W.C. Hoje à noite vem um carpinteiro reforçar as portas do armazém. Há discussões a tal respeito, há quem pense que não se devia mandar fazer isso.

O Kraler censurou a nossa imprudência e também o Henk disse que não devíamos em tais casos descer ao andar de baixo. Fizeram-nos ver bem que somos «mergulhados», judeus enclausurados, presos num sitio, sem direitos, mas carregados de milhares de deveres. Nós, judeus, não devemos deixar-nos arrastar pelos sentimentos, temos de ser corajosos e fortes e aceitar o nosso destino sem queixas, temos de cumprir tudo quanto possível e ter confiança em Deus. Há-de chegar o dia em que esta guerra medonha acabará, há-de chegar o dia em que também nós voltaremos a ser gente como os outros e não apenas judeus.

Quem foi que nos impôs este destino? quem decidiu excluir deste modo os judeus do convívio dos outros povos? quem nos fez sofrer tanto até agora? Foi Deus que nos trouxe o sofrimento e será Deus que nos libertará Se apesar de tudo isto que suportamos, ainda sobreviverem judeus, estes servirão a todos os condenados como exemplo. Quem sabe, talvez venha ainda o dia em que o Mundo se aperceba do bem através da nossa fé, e talvez seja por isso que temos de sofrer tanto. Nunca poderemos ser só holandeses, ingleses ou súbditos de qualquer outro pais. Seremos sempre, além disso, judeus. E queremos sê-lo.

Não percamos a coragem. Temos de ter consciência da nossa missão. Não nos queixemos, que o dia da nossa salvação há-de chegar. Nunca Deus abandonou o nosso povo. Através de todos os séculos os judeus sobreviveram. Através de todos os séculos houve sempre judeus a sofrer, mas através de todos os séculos se mantiveram fortes. Os fracos desaparecem mas os fortes sobrevivem e não morrerão!

Naquela noite pensei que ia morrer. Esperava pela Policia, estava preparada como os soldados no campo de batalha, prestes a sacrificar-me pela pátria. Agora que estou salva, o meu desejo é naturalizar-me holandesa depois da guerra. E Gosto dos holandeses, gosto desta terra e da sua língua. É aqui que gostava de trabalhar. E se for preciso escrever à própria rainha, não hei-de desistir enquanto não conseguir este meu fim.

Sinto-me cada vez mais independente dos meus pais. Embora seja muito nova ainda, sei, no entanto, que tenho mais coragem de viver e um sentido de justiça mais apurado, mais seguro do que a mãe. Sei o que quero, tenho uma finalidade, uma opinião, tenho fé e amor. Deixem-me ser eu mesma e estarei satisfeita. Tenho consciência de ser mulher, uma mulher com força interior e com muita coragem.

Se Deus me deixar viver, hei-de ir mais longe de que a mãe. Não quero ficar insignificante. quero conquistar o meu lugar no Mundo e trabalhar para a Humanidade.

O que sei é que a coragem e a alegria são os factores mais importantes na vida!"

(Excertos do diário de Anne Frank, um dos muitos testemunhos sobre a representação no quotidiano do Holocausto e da ameaça aos judeus).

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

CNL 2022 - alunos apurados

 

Apresentamos em baixo os alunos que no básico, nos diferentes ciclos venceram a 1ª eliminatória do Concurso Nacional de Leitura, a partir das leituras realizadas, justamente, As Naus de Verde Pinho, Missão Impossível e O Velho e o Mar. Deixamos as nossas felicitações aos alunos participantes e desejando que os que vão participar na fase concelhia possam ter um bom desempenho. Os resultados do CNL foram os seguintes:

1º ciclo
Artur Gulenko - EB de Rio de Moinhos
Valentina Almeida - EB de Guilheta
Santiago Sá -  EB de Forjães
Vasco Nogueira - EB de Forjães

2º ciclo
Sofia Bernardino Nunes (5.º MD) - EBARS
Ana Etelvina Vasco Costa (6.ºMB)  - EBARS
Soraia Lima de Lemos (6.º FA) - EBF
Tomás Azevedo (5.º FB) -  EBF


3º ciclo
Martim Ferreira (8.ºMA) - EBARS
Matilde Coutinho (9.ºMC) - EBARS
Matilde Marques (7.ºFA) - EBF
Matilde Gião (9.º FA) - EBF

Parabéns, a todos os que participaram! Um bom desempenho aos alunos que vão participar na fase concelhia!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Um poema - é urgente o amor


É urgente o amor. 
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras, 
ódio, solidão e crueldade, 
alguns lamentos, 
muitas espadas.

É urgente inventar alegria, 
multiplicar os beijos, as searas, 
é urgente descobrir rosas e rios 
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz 
impura, até doer. 
É urgente o amor, é urgente 
permanecer.

Eugénio de Andrade, "É urgente o amor"; Imagem: Nicoletta Ceccoli

Uma obra de arte - a Escultura


As estátuas são formas humanas onde fazemos repousar um sentido de perfeição, uma pureza de linhas capaz de guardar no tempo os nossos ideias de beleza, a revelação de emoções que queremos exprimir em dias mais sucessivos que a vida que nos é dada viver. Ter sido é a referência da posteridade, essa incapacidade de admirar o exposto sem se saber realmente como se foi, o quanto se foi. Mas isso pouco importa para os admiradores do futuro, os que vierem de séculos por nascer. Por agora vive numa eternidade, este nu brilhante desenhado na pedra como uma carícia continuada de mãos e pó deslizando em formas construídas. A estátua é um momento de solidão, o contorno das emoções desenhadas na pedra, a perfeição de um sentido vivo, imaginado, pensado. A estátua oferece-se à eternidade como a plenitude de um momento sagrado, quando a beleza apenas existia. Quando a vida se aproximava só, ainda sem tentações de tempo. A estátua tem múltiplas vidas, desde que se vai formando pela mão do escultor que compreende o seu material, o formaliza em conceitos de substância até que ela própria ilumina o real e a vida dos que a contemplam. A estátua estará exposta ao ruído do mundo, às tentativas devoradoras do tempo e como a vida de qualquer humano sofrerá adoração, admiração ou indiferença.

Estátua de David (1504) – Miguel Ângelo, Galleria dell’Accademia, Florença.


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Concurso Nacional de Leitura - 1.º Ciclo

 

Concurso Nacional de Leitura - as Naus de Verde Pinho - 1.º Ciclo

                                   

Concurso Nacional de Leitura - 2.º Ciclo


                                             Concurso Nacional de Leitura - Missão Impossível - 2.º Ciclo

Concurso nacional de Leitura - 3.º Ciclo

 

                                            Concurso Nacional de Leitura - O Velho e o Mar - 3.º Ciclo

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O escritor do mês - Entre Miguel Torga e Eugénio de Andrade


 

Neste mês dedicamos as palavras em destaque a dois poetas que são na sua vida marcados pelo mês de janeiro, justamente Miguel Torga e Eugénio de Andrade. Dois escritores que usaram dois pseudónimos para a criação de um minimalismo, de uma frugalidade existencial que procuraram dotar as palavras para uma veracidade sentida pela experiência de viver.

A dezassete de janeiro desaparecia fisicamente Miguel Torga, um dos mais importantes escritores do século passado, frontal e verídico como essa consistência telúrica e granítica do reino que ele inventou para nós, porque foi o primeiro a vê-lo com a alegria de uma magia descoberta, o seu reino do maravilhoso. 

Miguel Torga escolheu esse pseudónimo em homenagem a duas figuras da cultura universal, Cervantes e Unamuno. Torga, em homenagem à sua natureza transmontana. Natural de Sabrosa, distrito de Vila Real, construiu uma obra vasta, variada que abarcou, a poesia, o romance, o conto e as memórias. 

Fundou várias revistas literárias e publicou, desde 1928, uma extensa obra, podendo–se destacar: Os Bichos, Novos Contos da Montanha, A Criação do Mundo, A Poesia e Os Diários. Recebeu diferentes prémios entre 1969 e 1981 (Diário de Notícias, Poesia de Bruxelas, Prémio Montaigne). A sua escrita apresenta o encanto silvestre e a originalidade humana desse reino único, muito especial, a que ele deu o nome de maravilhoso. 

É um autor que nos recorda o valor da paisagem e de como ela é uma construção humana. Torga é um exemplo da importância de um território e de uma memória como suportes de uma cidadania formalizada nos valores culturais de uma comunidade. As palavras de Torga são um combate pela liberdade, naquilo que ela tem de valor moral, de consistência civilizacional.  

Eugénio de Andrade é um pseudónimo de José Fontinhas e com ele nasceu uma das mais importantes obras poéticas do século passado. Uma obra feita de palavras concisas, contempladas de emoção, nessa frugalidade que lhe inspirou a vida e que ele desenhou nas palavras essenciais, como água, sol, luz, claridade, amizade. 

Da sua obra poética podemos destacar, As mãos e os frutos, de 1948, As palavras interditas de 1958, Véspera da água, de 1973, Limiar dos pássaros de 1976, Matéria solar de 1980, ou Rente ao Dizer, de 1992, entre outras obras de grande significado poético. Na prosa podemos destacar Os afluentes do silêncio, de 1968, Rosto Precário de 1979, ou à Sombra da memória de 1993. Publicou para o público mais jovem, História da Égua Branca, de 1977 e Aquela nuvem e as outras, de 1986.

A sua obra recebeu diferentes prémios, como sejam, o Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus, O Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, de 1989, ou o Prémio Camões em 2001.

 A sua obra ficou muito ligada ao imaginário da sua infância, mas também aos elementos com que conviveu na cidade do Porto. Em dias de silêncio, de passeio pela cidade das camélias, os seus passos encontravam as palavras com que chamava a cidade, como um refúgio de pássaros. Eugénio de Andrade buscava as palavras com aquela ideia telúrica e desassossegada de construir um olhar na cidade. E ele continua muito próximo de uma ternura emotiva pelas coisas.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Um poema - Coração Habitado

Na lembrança de uma humildade feita em sabedoria e em palavras, como planaltos de emoção. Eugénio de Andrade!

De um tempo, onde entre silêncio e vento, ele próprio deambulava por esse nome da tarde que ele dava à cidade das camélias, o Porto, como um refúgio de pássaros. Ele que buscava as palavras com aquela ideia telúrica e desassossegada de construir um olhar na cidade. E do jacarandá da praça o vimos entoar passos, velhos um pouco como ele e a guardar no coração as lágrimas dos miúdos escondendo do azul a sua melancolia. Corria a Ribeira, a Sé e o Jardim do Passeio Alegre, a meio caminho da Foz para em cada praça, ou rua aprender a ser árvore e entoar com os pardais palavras de silêncio e pedaços de vida. E entre os muros de granito imaginava palavras tão solares como a claridade desenhada em tardes de Primavera. Eugénio criou um imaginário do Porto e houve um tempo em que era fácil encontrá-lo e descobri-lo e essa era uma cidade fascinante, onde o corpo e a alma alimentaram a sua pureza e o seu minimalismo.

 "Aqui estão as mãos. 

São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui: 
frescos, matinais, quase de orvalho, 
de coração alegre e povoado. 

Ponho nelas a minha boca, 
respiro o sangue, o seu rumor branco, 
aqueço-as por dentro, abandonadas 
nas minhas, as pequenas mãos do mundo. 

Alguns pensam que são as mãos de deus 
— eu sei que são as mãos de um homem, 
trémulas barcaças onde a água, 
a tristeza e as quatro estações 
penetram, indiferentemente. 

Não lhes toquem: são amor e bondade. 
Mais ainda: cheiram a madressilva. 
São o primeiro homem, a primeira mulher. 
E amanhece."

"Coração Habitado", in Até Amanhã. Porto: Assírio &Alvim, 2012.  
Imagem: Copyright - "Silent Cradle", Natalia Drepina 

Uma obra de arte - Apolo e as Ninfas

 


"Está já pronto outro vinho, que garante que jamais
abandona ao barro o cheiro a mel da sua flor.
No meio, uma árvore de incenso desprende um sacro aroma;
a água está fresca, doce e pura.
Aqui temos os pães e a mesa sumptuosa,
carregada de queijo e de pingue mel.
Ao meio, o altar está todo coberto de flores.
A música festiva domina o ambiente.
Ao deus devem os homens sensatos entoar primeiro um hino,
com ditos de bom augúrio e palavras puras.
Depois de fazer as libações e preces para procederem
com justiça — pois isso é a primeira lisa —
não é insolente beber até ao ponto de se poder voltara casa
sem ajuda de um escravo, a menos que se seja muito idoso."
Xenófanes de Cólofon (séc. VI-V a. C.) - Hélade, Antologia de Cultura Grega. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.
Imagem: Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73), na Gruta de Apolo, em Versalhes

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Das Artes - (I) - 21/22

 


                              Plano Nacional das Artes - 1.º Período (clicar na imagem acima ou por um leitor de QR Code)




Faça lá um poema - Ebook


 Faça lá um poema  (para aceder, clicar no título ao lado)
(Book Creator é um vídeo de uma atividade de sala de aula em articulação com o projeto Escola Azul).

Recomeçar

 

Um bom recomeço!
Recomeçar é sempre uma forma de continuar com ideias novas, na diversidade que cada dia oferece. Recomeçar pode ser um outro modo de chegar ao que se imaginou num outro tempo. Recomeçar pode ser a construção de uma nova expressão nas linguagens com que tentamos inscrever o diverso no mundo.
Um bom recomeço a todos...
Imagem, Nate Williams, in http://www.n8w.com/newweb/index.php